Debate sobre cantadas machistas ganha força

por Ex-alunos
Debate sobre cantadas machistas ganha força

Vítima põe crime em evidência ao registrar 16 assédios sofridos durante caminhada

Por Guilherme Almeida, Israel Scopel e Luiz Felipe Elias

A discussão sobre as agressões verbais sofridas por mulheres em lugares públicos ganhou mais espaço na internet depois que a jornalista Sávia Barreto, do jornal piauiense O olho,  registrou as diversas importunações que sofreu ao andar pelas ruas de Teresina. O material foi inspirado no vídeo de uma jornalista nova-iorquina que fez o mesmo em Manhattan. O resultado foi uma edição de dois minutos com as mais de 15 “cantadas” recebidas. As palavras proferidas vão de gracejos a termos de baixo calão. Assista ao vídeo.

O vídeo, assim como o texto escrito por Sávia, reacendeu as discussões sobre o tema, que recentemente haviam sido alvo do quadro “Vai Fazer o Quê?”, do programa Fantástico, na Rede Globo; e do programa The Noite, do SBT. Na internet, as sessões de comentário que acompanham posts do vídeo e do texto em portais, blogs e no Facebook, rapidamente se encheram de desabafos e protestos contra os assédios. Nesses espaços, encontram-se também os argumentos usados para reprovar, justificar e defender as “cantadas”.

Os principais argumentos dos que reprovam são o fato de que as cantadas seriam invasivas e machistas, colocando a mulher não só em uma situação constrangedora, mas de medo e aflição.

Segundo a estudante Marina Oliveira, 17 anos, que passou diversas vezes por situações de assédio verbal nas ruas, não há argumentos que os defendam. Para ela, os comentários são invasivos, resultado de uma cultura machista e devem acabar. O estudante Paulo Nogaretti, 15 anos, que vê constantemente este tipo de abordagem sendo feita, a atitude de mexer com mulheres estranhas na rua é cultural e ensinada de pai pra filho em alguns casos. Para ambos, a solução passaria pela educação e conscientização a respeito do tema.

Da mesma maneira pensa a jornalista Mariana Franco Ramos, do jornal Folha de Londrina e que faz parte do Coletivo de Jornalistas Feministas Nísia Floresta.Ela afirma que não há “outra solução para o problema que não seja a educação voltada para a igualdade de gênero e para a diversidade. E isso é responsabilidade dos pais e mães, mas também da escola, da mídia, do poder público e da sociedade como um todo”. A jornalista completa: “Precisamos formar cidadãos que respeitem uns aos outros, independentemente de gênero”.

Mariana ainda alerta para o fato de que este tipo de comportamento machista está relacionado a outros tipos de violência contra a mulher. As cantadas fazem parte de um processo de objetificação da mulher, muitas vezes “justificando” o estupro, o abuso e a humilhação, seja nas ruas, em espaços privados, como os ambientes de trabalho, ou no mundo virtual.

 

Países endurecem lei contra assédio

Uma solução encontrada por alguns países é enrijecer leis que tratam de outros tipos de assédio, para que abranjam os casos das “cantadas”, ou criar legislações. Na Bélgica, por exemplo, começou a valer em junho deste ano uma que prevê multas de até € 1 mil e um ano de detenção para quem comete esse crime. Em 2012, o tema foi intensamente debatido no país, depois do lançamento de um documentário chamado Femme de la Rua. Nele, de forma semelhante ao caso da jornalista em Teresina e da nova-iorquina, uma jovem registra os abusos verbais que sofre ao caminhar por sua vizinhança em Bruxelas.

Quanto ao Brasil, esse tipo de importunação já é previsto em lei. Segundo a juíza Luciane Borleto, titular do Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Curitiba, esse tipo de situação, embora não configure crime, pode ser considerado contravenção penal punível com multa. Ela explica que se trata de uma “importunação ofensiva ao pudor” prevista no artigo 61 da Lei de Contravenções Penais, que diz que “Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor: Pena – multa.”. Essa importunação pode ser física (desde que sem violência) ou verbal.

Luciane ressalta que há uma distinção entre esses casos e episódios de assédio sexual. Este último, sim, configura crime. O assédio sexual está previsto no artigo 216-A do Código Penal e pode acarretar pena de um a dois anos de prisão.