Projeto de lei quer proibir símbolos ideológicos em prédios públicos de Curitiba

por Geórgia Cintra
Projeto de lei quer proibir símbolos ideológicos em prédios públicos de Curitiba

Inspirada em ações de Donald Trump, proposta de vereador curitibano amplia discussão sobre limites da neutralidade institucional

Por Geórgia Cintra e Joana Bueno | Foto: Joana Bueno

Um projeto de lei que visa acabar com símbolos de movimentos sociais, políticos e ideológicos em prédios públicos de Curitiba entrou em andamento na Câmara Municipal no último mês. A proposta, inspirada em medidas semelhantes adotadas nos Estados Unidos pelo atual presidente Donald Trump, alega buscar a “neutralidade do Estado”.

A iniciativa legislativa é do vereador Guilherme Kilter (Novo). Caso seja aprovada, a  mudança valerá para todos os prédios públicos da capital paranaense. Quadros, faixas, cartazes, grafites, bandeiras e murais serão proibidos em localidades mantidas pelo município, permitindo apenas a exibição de bandeiras nacionais, estaduais e municipais.

Ao Comunicare, Kilter explicou que o projeto enquadra como símbolos ideológicos e partidários qualquer bandeira, faixa ou representação visual que esteja vinculada a partidos políticos. O vereador também comentou que o projeto não apresenta exceções para bandeiras de causas reconhecidas por leis municipais e nacionais, como a bandeira do combate á violência contra a mulher. Para o parlamentar, tais exceções poderão ser discutidas durante sua tramitação nas comissões e no plenário como objeto de emendas que garantem a contemplação de causas de interesses sociais amplamente reconhecidas.

O projeto não cita locais específicos de Curitiba. Na prática, isso significa que, espaços como escolas municipais, centros culturais e unidades de saúde que possuam símbolos de movimentos sociais precisariam remover tais elementos para se adequar a legislação. 

A proposta de Kilter reflete uma tendência que também é observada em São Paulo, onde o vereador Rubinho Nunes apresentou um projeto semelhante, indicando uma movimentação política que pode impactar a visibilidade e os direitos da comunidade LGBT em espaços públicos. Em suas redes sociais, Kilter afirmou que a medida vale para bandeiras comunistas, ligadas ao MST e a causas LGBTs em prédios públicos. “Se depender de mim, não.”

Segundo Mateus Cesar, diretor administrativo do Grupo Dignidade (grupo pioneiro do estado a atuar na área da promoção da cidadania da comunidade LGBTI+), a importância simbólica de bandeiras e outros símbolos visuais em prédios públicos em Curitiba é gigantesca, principalmente quando se fala em grupos marginalizados. A inexistência desses símbolos em construções públicas se torna um apagamento. “Esses grupos não deixam de existir. Pelo contrário, a comunidade lgbt está cada vez mais presente, chegando a 10% da população. Então, por que um percentual tão grande não pode ter representação?”

A vereadora Vanda de Assis (PT) avalia que o projeto reflete o avanço da extrema-direita em Curitiba — grupo que, segundo ela, tem priorizado pautas morais e atacado direitos civis e políticos. Embora a bancada de oposição seja minoritária, a parlamentar acredita que o projeto não deve ser aprovado, pois “ainda há vereadores que prezam pelo bom senso e pelo respeito à Constituição Federal”.

Ela também cita nomes como Eder Borges, João Bettega e Bruno Secco, que, segundo Vanda, têm apresentado propostas semelhantes à de Kilter, que usam discursos que associam movimentos sociais e populares ao comunismo e buscam deslegitimar entidades ligadas à população LGBTQIA+, ao MST e a outros grupos progressistas.

Para a vereadora, além de politicamente problemática, a proposta também é inconstitucional, por ferir direitos garantidos pela Constituição, como a liberdade de expressão, o culto religioso e a liberdade de escolha. Na visão dela, o projeto será barrado ainda nas comissões e arquivado, com a inconstitucionalidade sendo um dos principais argumentos utilizados.

O professor de Direito Constitucional da PUC-PR Nourmirio Bittencourt explica que a proposta do vereador pode ter respaldo jurídico, desde que tenha como objetivo preservar a neutralidade da Administração Pública. Segundo ele, a utilização de prédios públicos para promover ideologias ou partidos políticos pode ferir princípios constitucionais como a impessoalidade e a moralidade administrativa. O especialista também ressalta que, embora a liberdade de expressão seja um direito fundamental, ela não é absoluta e pode ser limitada quando entra em conflito com outros princípios constitucionais.

No momento, a proposta está em tramitação na Câmara Municipal de Curitiba e aguarda análise oficial da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), responsável por avaliar a legalidade do projeto. Caso parecer favorável, seguirá para outras comissões temáticas antes de ser levado ao plenário para votação. 

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