Projeto Marmitas da Terra ajuda na luta contra a Insegurança Alimentar

por Nicole Duarte Gomes
Projeto Marmitas da Terra  ajuda na luta contra a Insegurança Alimentar

Capital se torna referência para que o país saia do mapa da fome, mas a luta contra a insegurança alimentar ainda é uma realidade para mais de 200 mil lares na cidade

Por: Nicole Duarte Gomes | Foto: Nicole Duarte Gomes

Curitiba foi umas das três capitais brasileiras a receber o Selo Betinho, premiação de honraria pela promoção da segurança alimentar e nutricional a capitais que cumprem pelo menos 70% das 36 metas estabelecidas em parceria com o Instituto Comida do Amanhã. A entrega do prêmio é realizada pela ONG Ação da Cidadania, com o intuito de estimular a criação de iniciativas e políticas públicas de combate à fome. Apesar da premiação, dos 4,3 milhões de domicílios paranaenses, 774 mil registraram algum nível de insegurança alimentar em 2023, dos quais 275 mil apenas na capital paranaense.

As situações de insegurança alimentar, em sua maioria, estão associadas à baixa renda familiar, que resulta na falta de garantia de uma alimentação adequada. Pensando nisso, Adriana Oliveira criou o Coletivo Marmitas da Terra (MDT) que é um dos mais de 20 projetos com iniciativas de distribuição de alimentos para população em estado de vulnerabilidade no Paraná. O coletivo, que faz parte do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), foi criado em 2020 durante a pandemia, e desde então já distribuiu mais de 180 mil marmitas.

Dona Terezinha de Barros tem 64 anos e faz parte de uma das 84 famílias que moram na comunidade 29 de Janeiro, localizada no bairro Uberaba, uma das 9 comunidades integrantes do Coletivo Marmitas da Terra. Há 15 anos dona Terezinha utiliza a reciclagem para se sustentar e conta como o projeto auxilia a comunidade desde de 2020. “Nós ganhamos muita cesta básica, que o povo trazia para repartir com a gente. Traziam marmitas também, deixavam no ‘cantinho’ e aí pegavam para pessoas que precisavam. Era bem complicado. Graças a Deus o projeto ajudou muito.”

Dona Terezinha, moradora da comunidade 29 de Janeiro.

Após a pandemia de Covid-19, o coletivo se reorganizou e passou a perceber na convivência com as pessoas das comunidades que a alimentação não era a única demanda da população. Para atender as necessidades da comunidade, o projeto formou núcleos de atendimento, voltados para educação, saúde e infraestrutura. O Núcleo de Educação Popular foi um dos principais durante o período pós pandêmico, já que mais de 80% das crianças não tinham acesso ao ensino remoto ou tinham apenas um celular por família.

Segundo Isabela Molim, coordenadora do Núcleo de Educação Popular do projeto, apesar do nome, o Marmitas da Terra tem uma atuação diversificada dentro do movimento. “A alimentação é necessariamente política, então é como se fosse a porta de entrada. A demanda que a gente atende das comunidades para depois fazer um trabalho muito mais amplo de consciência crítica da classe. Então, acho que é fundamental esse papel de apoio.”

As marmitas distribuídas são produzidas através de hortas comunitárias cultivadas pelos mais de 200 voluntários do projeto, que se reúnem às quartas-feiras e produzem em média mil marmitas para distribuição. Além das marmitas, o projeto atua por meio de hortas comunitárias e cozinhas solidárias que atendem moradores de rua, famílias em ocupações e em situação de insegurança alimentar nos bairros periféricos de Curitiba.

Pedro Costa também é um dos moradores da comunidade 29 de Janeiro, auxiliada pelas hortas comunitárias do projeto. Ele afirma que o Marmitas da Terra trouxe apoio para a vila. “Tanto para passar segurança como para adquirir recursos para a comunidade se sustentar. O Projeto traz essa base principalmente através das hortas e das cozinhas comunitárias para as famílias da comunidade. Esse apoio é fundamental porque ajuda a levantar a parte social da comunidade e das famílias que passam por dificuldades”, explica.

Em 2021, durante a pandemia, o projeto implementou a Agrofloresta Papa Francisco, no Centro de Assistência Social Divina Misericórdia, no Sabará, em Curitiba. O espaço segue gerando alimentos para escolas que atendem cerca de 400 crianças e 100 idosos por ano. Para o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), as escolas podem ser consideradas os principais equipamentos públicos de alimentação do país. “São quase 40 milhões de crianças e adolescentes fazendo refeições diárias nos estabelecimentos de ensino em todo o território nacional. A alimentação escolar ajuda a aliviar os gastos das famílias com alimentação e aumenta a renda disponível para comprar alimentos de melhor qualidade ou reforçar a alimentação em casa”, afirma Daniel Goes, assessor de comunicação do MDS.

Segundo dados oficiais mais recentes efetuados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc), do 4º trimestre de 2023, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 17,9% dos domicílios particulares permanentes do estado, conviviam com a insegurança alimentar diariamente. Destas, 2,2% apresentavam nível de insegurança alimentar grave. Na Região Metropolitana de Curitiba, os índices eram semelhantes: 17,1% dos domicílios enfrentavam insegurança alimentar, com 2,7% em situação grave.

No 1º trimestre de 2022, o cenário era ainda mais preocupante: 50% dos domicílios no Paraná registraram algum grau de insegurança alimentar, e 8,6% em situação grave (números que foram influenciados pela pandemia do ano anterior). O levantamento é da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), que utiliza a mesma metodologia do IBGE.

Regiões mais afetadas

A insegurança alimentar leve, associada à dificuldade de manter uma alimentação de qualidade ou à incerteza sobre o acesso futuro aos alimentos, afeta 15,4% da população de Curitiba e 16,3% no restante da região metropolitana. Embora menor do que a média nacional (20,2%), o percentual ainda é superior ao restante do estado do Paraná, que registra 14,2%. Já os casos de insegurança alimentar moderada e grave afetam 3,8% da população em Curitiba e 4,1% no restante da região metropolitana.

As regiões mais afetadas são as de periferia, que em geral, têm uma população de menor renda e são marcadas pelas desigualdades sociais. Na região metropolitana, a insegurança alimentar afeta de maneira desigual determinados grupos, como idosos, mulheres, pessoas pardas, pretas, e indígenas. Segundo estudos feitos pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) em parceria com a Secretaria Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional da Prefeitura Municipal de Curitiba (SMSAN), 33,3% das pessoas em insegurança alimentar grave nos bairros metropolitanos são idosas. É o mesmo percentual que atinge a população adulta, apesar das pessoas idosas representarem apenas 12,6% da população da região metropolitana, e os adultos 44,6%.

As mulheres, que representam 50,7% da população metropolitana, somam 66,7% dos casos de insegurança alimentar grave, enquanto o percentual de homens afetados é de 33,3%. Na capital, pessoas pardas e pretas representam 24,2% da população e 30,3% dos casos de insegurança alimentar grave. O mesmo ocorre com pessoas amarelas e indígenas que representam 1,4% da população da capital e 9,1% dos casos de insegurança alimentar grave.

Confira como o projeto atua na Comunidade 29 de Janeiro

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