Crítica: Glória e Liberdade é uma viagem animada de resistência

A primeira animação da competitiva brasileira do Olhar de Cinema é intrigante, complexa e curiosa em tempos turbulentos.
Por Carolina Senff | Fotos: Divulgação Glória e Liberdade
Uma das novidades da edição de 2025 do Olhar de Cinema veio com a já conhecida da casa, Letícia Simões. A diretora trouxe para a décima quarta edição do festival a primeira animação que participa da competitiva brasileira. O filme, de muita personalidade, é um documentário utópico de um Brasil que não existe mais.
O roteiro conta a história de Azul, uma cineasta que viaja quatro países para tentar entender a história do porque o Brasil não existe mais. A narrativa guia o telespectador através desta viagem da personagem pelos locais que eram “antigamente” parte do Norte e Nordeste do país colonizado pelos portugueses e a família Bragança. Hoje eles estão localizados no continente Pau-Brasil.
O questionamento que guia todo o desenvolvimento da personagem Azul é: será que os países estão dispostos a reconstruir o Brasil? Uma premissa que pode aparentar ser específica da realidade do filme, mas na verdade ultrapassa a tela e transborda na realidade atual de brasileiros. Nós estamos dispostos a reconstruir nosso país?
No primeiro quarto do filme mergulhamos na floresta amazônica e na resistência indígena. Conhecemos Taua Sikusaua Kato, nação indígena com mais de 130 etnias, do território da Amazônia, antigo estado do Pará. O país foi formado com a vitória da resistência no movimento popular da Cabanagem que ocorreu na província do Grão – Pará. No segundo quarto somos apresentados a República de Caxias, zona das antigas províncias do Ceará, Maranhão e Piauí, criado depois do fim da Balaiada, revolta que reivindicava melhores condições de vida e que a população pobre se revoltou contra a elite. no terceiro quarto viajamos para o Reino Unido de Pernambuco, nação formada a partir da província Pernambuco formada através da Revolução Praieira, um movimento de caráter liberal e federalista. Por fim chegamos a Bahia, um país que surgiu da Sabinada, revolta separatista liderada pela elite intelectual de Salvador.
O filme reconta a história de lutas e guerras de uma nação em busca de liberdade e autonomia, em um cenário onde tais revoltas a resistência saia vitoriosa. Um filme como Glória e Liberdade é curioso e importante em um mundo onde tantos extremismos vem sendo defendidos. Em tempos políticos sombrios com ideias deturpadas é discutir liberdade, autonomia e união extremamente atual.
É um filme de muita coragem. A diretora Letícia Simões tem paciência ao explicar a história e dar contexto para quem assiste ao filme. O público necessita do entendimento de contexto para extrair a totalidade da mensagem transmitida no enredo. Em alguns momentos me senti nas aulas de história do ensino fundamental quando aprendia sobre as revoltas contra Dom João VI, Dom Pedro e o Império Brasileiro.
A animação é incrível. Esaú Pereira e Telmo Carvalho, diretores de animação, criam um universo em 2D de brilhar os olhos. Enriquecem o visual do filme criando um cenário próprio com estilos próprios de animação para cada país que viajamos. É um trabalho digno de reverência.
Glória e Liberdade, um deleite para os olhos, uma chama de esperança, um símbolo de resistência. A obra não procura deixar respostas, mas sim provocar inquietações e questionamentos. Estamos resistindo? Devemos acabar com tudo e fazer algo novo ou reconstruir o que foi assolado em dualidade e restaurar uma cultura de força, união e alegria? E se nossa história tivesse sido diferente? E se nós fizermos diferente?
Recomendo fortemente esta animação para todos que amam seu país, que gostariam de conhecer um pouquinho mais da história que conta as raízes do que é ser brasileiro e que remonta a tão mascarada história do Norte e Nordeste de nosso tão amado Brasil.