Projeto de lei que muda as regras para contratação de deficientes recebe críticas do setor

por Juliane Capparelli
Projeto de lei que muda as regras para contratação de deficientes recebe críticas do setor

Em uma tentativa de diminuir a burocracia para contratações, proposta aguarda votação na Câmara dos Deputados

 Por Eduardo Veiga e Juliane Capparelli | Foto: Pixabay

Um projeto apresentado pelo Governo Federal recebe críticas por suas alterações nas políticas de contratação de deficientes. Ele cria um critério de deficiência severa em que o candidato ocuparia duas vagas. Além disso, propõe a criação de um fundo monetário para reinserir os deficientes no mercado e flexibiliza acordos entre empresas. O Projeto de Lei 6159/19 está tramitando na câmara, em regime de urgência. Ele integra com a Medida Provisória 905/19, o pacote de medidas do atual governo para conter o desemprego. Porém a MP foi revogada na última segunda-feira (20), devido à necessidade de alterações voltadas ao momento de pandemia do Covid-19.

Júnior Ongaro, presidente da Associação​ dos Deficientes Físicos do Paraná (ADFT), alega que, nos últimos anos, aumentou a procura das empresas por funcionários para as vagas destinadas a pessoas com deficiência. O motivo é uma maior cobrança do Ministério Público para o cumprimento da lei, com fiscalização e aplicação de multas. No entanto, critica o modo como as vagas são ofertadas: “São cargos nos quais você não pode subir na empresa”. Ongaro comenta que apesar do projeto procurar cobrar mais das empresas para a contratação, várias modificações estão equivocadas, como a possibilidade de duas empresas equilibrarem as reservas de vagas. Ouça o que o presidente da ADFT diz sobre:

E, ainda, retomando a prática das empresas de oferecer cargos menos qualificados, ele aponta: “Normalmente, quem você terceiriza dentro da sua empresa é o pessoal da limpeza, da recepção”. A proposta permite a ocupação das vagas por meio de terceirizados e temporários.Apesar de propor algumas mudanças que podem contribuir, as medidas foram vistas como um retrocesso.

Leila Andressa Dissenha, advogada e professora da PUCPR, afirma que houve uma revolta no meio acadêmico com a chegada da proposta. “Esse Projeto de Lei vem na contramão da inclusão. Ele traz um impacto muito negativo para essas pessoas e para o mercado de trabalho de forma geral.” Ao comentar sobre as alterações, apontou que a possibilidade de uma pessoa com deficiência severa ocupar duas vagas, além de suprimir uma emprego, pode aumentar a discriminação. Ouça um trecho da conversa com a advogada:

E​ complementa: “Uma outra questão é quem vai classificar essas pessoas. São autoridades médicas? Autoridades do trabalho?”. Leila ainda argumenta que o fundo para recolhimento de verba vem no sentido oposto à finalidade do projeto: “A monetização das cotas, para mim, vai contra a nossa constituição, contra a convenção firmada em Nova York em proteção das pessoas com deficiência. O que as pessoas precisam é interação no mercado de trabalho. É poder mostrar todo o seu potencial”.

Atualmente a Lei 8213/91 – art.93 estabelece que empresas com cem ou mais funcionários devem reservar uma parte de seus cargos para beneficiários reabilitados ou deficientes. A parcela varia de 2% a 5%, dependendo da quantidade de empregados.

Ao anunciar o projeto de lei, o governo Bolsonaro argumentou que apenas metade das vagas destinadas aos deficientes eram preenchidas. “A definição de cotas de forma ampla alcançando igualmente todos os setores, todas as localidades e todas as ocupações representa uma obrigação que, em muitos casos, não pode ser cumprida”, afirmou o ministro da Economia, Paulo Guedes.

A psicóloga Ligia Pauli, que trabalha na ONG Unilehu, com a função de incluir deficientes no mercado de trabalho, orienta os candidatos por meio de entrevistas. É realizado um acompanhamento em torno das áreas de interesse e são ofertadas vagas de emprego e cursos online gratuitos. A procura pelo serviço é grande e mostra-se importante para a inclusão e inserção de portadores de deficiência na sociedade: “Elas querem trabalhar para mostrar que são capazes de realizar tarefas e de serem importantes.” Quanto ao projeto de lei, Ligia é contra a ocupação de duas vagas por uma pessoa com deficiência mais severa. “Sou a favor do maior número de pessoas incluídas, uma vaga – uma cota.”

A inclusão no ambiente de trabalho

Cyro Eduardo Ramos de Souza, aprendiz na empresa Renault, é portador da doença hemiplegia e ingressou no atual estágio através da ONG Unilehu. Ele diz que não teve tanta dificuldade em encontrar um emprego por conta do apoio da ONG, mas sem o amparo da organização ele acredita que teria maiores dificuldades para ingressar no mercado. Cyro disse que se sente bem em trabalhar na empresa, e que nunca sofreu preconceito. Ele relata que aprende muito e há o apoio de pessoas que gostam de ajudar, mas que “depende muito do lugar em que você está”. E conclui: “Acredito que todos devem ser tratados iguais e sem discriminação por ter alguma deficiência”.

O projeto de lei segue sob a análise das comissões e aguarda votação para seguir adiante. Devido ao coronavírus, outras demandas foram priorizadas. A expectativa é beneficiar, em dois anos, um milhão e meio de pessoas que recebem auxílio por incapacidade.

 

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