“A vivência está impregnada na gente”: o Bloco Azul nas memórias docentes

por Ana Maria Marques
“A vivência está impregnada na gente”: o Bloco Azul nas memórias docentes

Berço de cursos como Arquitetura e Design, espaço transcende a materialidade do edifício e vive nas histórias e nos aprendizados de gerações de professores

Por: Ana Maria Marques, Isabela Borges e Millena Lechtchechen | Foto: William Sade Jr.

A partir da fusão dos cursos de comunicação, arquitetura, design e artes, o Bloco Azul se tornou a casa de momentos e memórias de estudantes e colaboradores. Durante a construção de uma identidade própria para a recém formada Escola de Belas Artes, o corpo docente da universidade, agora realocado, teve espaço para a criação de instantes e lembranças afetivas do bloco azul e do Teatro Universitário Católico da PUCPR (TUCA).

Fernando Antonio Fontoura Bini foi um dos precursores do curso de design no Paraná. Com mais de 50 anos dedicados à instituição, sua trajetória se entrelaça com a própria fundação da universidade. Membro da primeira turma do Colégio Marista Paranaense, Bini presenciou a inauguração da universidade em 1959.

Anos mais tarde, já como professor, Bini acompanhou a construção do Bloco Azul, tornando-se um dos primeiros a inaugurar o espaço. Em 1976, diante da expansão do curso de Design, que superou a capacidade do então Bloco Amarelo, a migração para o novo edifício se fez necessária. Foi nesse período que o professor, ao lado de outros colegas, deu vida às novas salas. Essa vivência, permeada por aulas, projetos e interações, deixou uma marca que ia além dos limites do bloco.

Com a emoção de quem testemunhou décadas de história, o professor Bini compartilha a sua conexão com o local. “Tive pelo menos 40 anos de convívio diário com o Bloco Azul”. Ele relembra a dedicação e o apego que o ligavam ao espaço: “Por 40 anos eu abri e fechei o bloco”.

A recente aposentadoria, contudo, não diminuiu o impacto da tragédia. O professor Bini, preferiu não retornar à universidade após o incêndio. “Eu acho que é triste, você saber que parte da sua memória se foi, virou cinza”, lamenta, expressando a dor da perda. A lembrança mais vívida, e talvez a mais dolorosa, é de seu refúgio pessoal e profissional. “O que eu mais sinto é a minha salinha, sempre atendi aos alunos ali. Às vezes fugiam da aula para ir para lá”.

Mesmo diante da perda física, a essência do que foi vivido permanece. “O que existe é a vivência que está impregnada na gente, de ter vivido lá todo esse tempo e ter aproveitado”, reforça o professor Bini. Essa é a própria alma do bloco, que transcende a materialidade do edifício e se perpetua nas histórias, nos aprendizados e nas relações humanas ali construídas.

Tanahora

A professora adjunta do eixo multi artes e por cinco anos coordenadora do curso de teatro da PUCPR, Silvia Monteiro era amiga próxima do diretor teatral e ex-coordenador do curso de teatro da PUCPR Laércio Ruffa. O professor foi uma figura fundamental no renascimento do curso de teatro da PUCPR. Fundado nos anos 80, mas extinto poucos anos depois, o curso foi reaberto em 2010 com a coordenação do diretor e a busca por artistas para ocuparem os cargos de professores. De acordo com Monteiro, Laércio acreditava que um curso de artes precisa de artistas para ensinar.

Laércio foi diretor do Tanahora, grupo de teatro universitário, durante 25 anos e se destacou como uma grande voz no teatro e na cultura da PUCPR, levando o grupo para festivais nacionais e internacionais. Para Silvia, não há nenhum acontecimento no curso que não lembre a figura de Ruffa. “A gente batizou a nossa caixa-preta, o nosso teatro que é o nosso laboratório no LabCom, de Teatro Laboratório Laércio Ruffa. Tinha que ser, porque o Laércio faz as coisas acontecerem, sempre fez.”

Para Monteiro, a perda do teatro enquanto espaço físico não significa que a essência do teatro foi perdida. “A palavra teatro não é um lugar. É o ponto de onde se vê, é o encontro de olhares, então a gente nunca foi um prédio, a gente é onde há o encontro de olhares.” A atriz e professora também acredita que a própria essência da arte pode contribuir para a reconstrução física e simbólica do TUCA.

A visita ao teatro universitário com as turmas de calouros de cada ano é um momento marcante e memorável para Silvia. Além do palco e da plateia, os estudantes também podiam ver as estruturas por cima do teatro, enxergando as vigas por trás do glamour. “É muito lindo que os alunos sempre ficam todos espalhados e olhando o teatro por dentro das veias. Eles veem as veias e os músculos daquele prédio.” As visitas ao teatro contribuem para a percepção dos estudantes em relação ao curso e as artes, abrindo portas para uma interpretação do teatro não só como espaço. “É disso que se trata, né? É uma coisa que não dá pra explicar, é físico mas não é.”

O arquiteto e professor da PUC-PR há mais de 45 anos Leonardo Oba diz que o diferencial das aulas de arquitetura sediadas no Bloco Azul eram as salas em estilo atelier, que proporcionavam aos alunos uma experiência prática de troca de conhecimento com os professores e colegas de classe. Para ele, esse tipo de interação é essencial para o desenvolvimento de um profissional, pois é uma relação semelhante a experiência de estagiar no atelier de um mestre e adquirir seus conhecimentos. “São ambientes de trocas de informações e experiências. Um espaço para aprender a ver, ouvir, criar, se expor, ser criticado, aceitar ou discutir opiniões conflitantes”.

Segundo Oba, o que faz o bloco ser especial são as pessoas, que por meio de suas interações um com o outro e com o ambiente, constroem uma história significativa. O arquiteto diz que cada geração de alunos que passa pelo bloco há de ter sua própria memória afetiva, mas que se tratando do Bloco Azul, a lembrança que habita firme nas memórias é a do espaço repleto de alunos sentados no chão esboçando seus primeiros projetos. “Os longos corredores do Bloco Azul certamente ficaram marcados na memória de gerações de estudantes”, diz.

Veja também a entrevista com o professor Rafael Camargo, convidado do videocast “Memórias Docentes”:

Autores

  • Ana Maria Marques

    Olá! Me chamo Ana Maria Marques, sou estudante de Jornalismo da PUCPR e sempre fui apaixonada pela profissão. Como jornalista, eu vejo a oportunidade e o compromisso de levar histórias para o povo independente da classe social, idade ou escolaridade, pois acredito que a figura do jornalista é indispensável na luta pela democratização da informação.

    Ver todos os posts
  • Isabela Borges

    Estudante de jornalismo apaixonada por contar histórias que informam e inspiram. Busco oportunidades que me permitam transformar informações em instrumentos de justiça social e empatia.

    Ver todos os posts
  • Millena Lechtchechen

    Sou estudante de Jornalismo e escrevo para entender o mundo e meu lugar nele. Me interesso por política, desigualdade social, direitos humanos e meio ambiente — temas que atravessam minha formação e minha vivência. Acredito no jornalismo como uma ferramenta de transformação social, capaz de dar voz a quem foi historicamente silenciado.

    Ver todos os posts

Ana Maria Marques

+ textos do(a) AUTOR(A)
Olá! Me chamo Ana Maria Marques, sou estudante de Jornalismo da PUCPR e sempre fui apaixonada pela profissão. Como jornalista, eu vejo a oportunidade e o compromisso de levar histórias para o povo independente da classe social, idade ou escolaridade, pois acredito que a figura do jornalista é indispensável na luta pela democratização da informação.