Aluguel em alta e moradia escassa: regiões periféricas de Curitiba concentram pressão habitacional
por Mariana Aquino
Os bairros Sítio Cercado, Tatuquara, Campo do Santana e CIC estão entre os mais afetados pelo aumento de 13,5% no valor do aluguel
Por Ana Lúcia Sonntag, Isadora Abreu, Maria Fernanda Carvalho e Mariana Aquino
Em 2024, Curitiba registrou uma das maiores altas no valor do aluguel entre as capitais brasileiras. De acordo com o Índice FipeZAP+ de Locação Residencial, o aumento foi de 13,5% ao longo do ano, ultrapassando tanto a inflação oficial do período (IPCA: 4,62%) quanto a média nacional de reajuste dos aluguéis (11,5%). O movimento reflete uma valorização acelerada do mercado imobiliário urbano — mas esconde uma dinâmica ainda mais preocupante: as regiões periféricas, tradicionalmente acessíveis à população de baixa renda, estão entre as que mais sofreram com os aumentos.
O valor médio do aluguel residencial em Curitiba aumentou, chegando a R$2.035. Esses dados são do Instituto Paranaense de Pesquisa e Desenvolvimento do Mercado Imobiliário e Condominial (Inpespar) e do sistema Secovi-PR, referentes ao mês de fevereiro de 2025. De acordo com o levantamento, esse valor representa um crescimento de 2,9% em relação a janeiro e um aumento de 8,6% na comparação com fevereiro do ano passado.
A análise do Inpespar indica que esse movimento acompanha uma tendência de valorização dos aluguéis em todo o Brasil. Nos últimos 12 meses, a variação acumulada foi de aproximadamente 12,92%, impulsionada pelos constantes aumentos da taxa Selic, que elevam os custos do financiamento imobiliário e acabam estimulando mais pessoas a optarem pela locação. A pesquisa também revelou que há um aumento na procura por aluguel em Curitiba, com a taxa de Locação Sobre a Oferta (LSO) residencial chegando a 24% em fevereiro, o maior índice dos últimos sete meses.
Dentre os tipos de imóveis mais alugados em fevereiro, os apartamentos de dois quartos se destacaram, com 32,6% das unidades disponíveis alugadas — um aumento de 4,2 pontos porcentuais em relação a janeiro. Logo depois, aparecem os apartamentos de um quarto, que tiveram uma alta de 4,7 pontos percentuais, atingindo 29,9% de unidades alugadas nesse segmento, de acordo com o Sistema Secovi-PR.
Os bairros que tiveram os maiores percentuais de aumento de aluguel em 2024 são, também, aqueles com menor renda média domiciliar. É o caso de Sítio Cercado, Tatuquara, Campo do Santana e Cidade Industrial de Curitiba (CIC), nos quais a renda per capita varia de R$590 a R$770. Dados do FipeZAP por bairro, cruzados com informações do censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2022, demonstram que, nessas regiões, o valor médio de locação ultrapassou R$1.200 por mês para imóveis de 50 m², o que representa 40% a mais da renda média familiar local.
Déficit habitacional e baixa oferta pública
Curitiba conta com mais de 90 mil famílias em situação de déficit habitacional. (Foto: Gregório Bruning/Flickr)
Paralelamente à alta nos aluguéis, Curitiba enfrenta um déficit habitacional severo. Segundo a Pesquisa de Necessidades Habitacionais do Paraná, publicada em dezembro de 2023 pela Cohapar (Companhia de Habitação do Paraná), a capital conta com 90.299 famílias em situação de déficit habitacional, 43.461 delas estão inseridas em 322 favelas, 7.400 em 93 loteamentos irregulares e 41.147 possuem moradia através do cadastro para habitação social. A princípio, a maior parte desta população está localizada justamente nas regiões que também sofrem com os maiores aumentos nos aluguéis, evidenciando um cenário de pressão urbana e exclusão habitacional.
Ao levar em análise os cálculos do Déficit Habitacional, o valor estimado é de 86.774 domicílios dignos faltantes na cidade. Segundo dados da Fundação João Pinheiro (FJP), esse déficit se dá em Curitiba, principalmente, pelo sobrepeso do aluguel na renda familiar. A falta de habitações adequadas se mantém próxima aos 80 mil desde 2013, em comparação aos Relatórios de Déficit Habitacional e Inadequação de Domicílios divulgados pela FJP dos últimos anos.
Mesmo diante do cenário mapeado, a resposta do poder público tem sido limitada. De acordo com o site oficial da Prefeitura de Curitiba, ao final de 2024 foi firmado o compromisso de construção de apenas 608 novas moradias por meio do programa Minha Casa Minha Vida — o que representa menos de 1% da necessidade registrada no levantamento da Cohapar. Os empreendimentos serão distribuídos em 512 unidades no Parque do Pinhal I, II e III, no bairro Campo do Santana, e 96 unidades no Residencial Corbélia, localizado no São Miguel.
Embora as obras sejam voltadas para regiões periféricas, elas não são capazes de conter o avanço da especulação imobiliária nesses mesmos locais. As construtoras estão em busca de terrenos mais baratos, porém isto resulta na valorização artificial do solo urbano. Essa valorização ocorre quando há elevação do preço do terreno ou imóvel sem refletir, necessariamente, no aumento do valor real ou utilidade do terreno.
A análise conjunta dos dados revela um padrão de exclusão que segue uma estrutura cíclica:
Essa combinação de fatores indica que o acesso à moradia adequada está sendo empurrado para fora do orçamento de boa parte da população curitibana, que já vivia em condição de vulnerabilidade social. O mercado imobiliário, sem regulação sobre valores de locação, contribui para o aprofundamento da desigualdade urbana.