Blues em Curitiba preserva memória e tradição da influência afro americana no cenário musical

por Ana Maria Marques
Blues em Curitiba preserva memória e tradição da influência afro americana no cenário musical

Locais como Purple Reis servem como palcos para a valorização da essência do blues na cidade e dos músicos deste estilo

Por Ana Maria Marques, Isabela Borges e Millena Lechtchechen / Foto: Isabela Borges

Com mais de 100 anos de existência, o estilo musical Blues exerce uma grande influência na história da música até hoje, sendo propulsor de diversos outros estilos musicais, como Jazz, Country, Rock e Soul, além de suas influências no Pop convencional. Em Curitiba, o Pub Purple Reis, localizado na área central da cidade, assume a responsabilidade de preservar as tradições do gênero musical blues e valorizar a influência negra na música. 

O blues foi crucial para o surgimento de outros estilos derivados da musicalidade negra, como o rock e o próprio jazz. Para o musicista Níccolo Santana, vocalista da banda BlueSinc, o blues significa tradição e influência, sendo a raiz, o princípio e a base de diversos gêneros e estilos musicais. De acordo com o músico, a memória da influência negra no blues e em outros gêneros deve ser respeitada e preservada. “Eu tô aqui num lugar de puro tributo e admiração ao estilo sendo uma pessoa branca. Então, é importante lembrar que todas essas músicas vieram do povo preto e lembrar desse resgate da música negra, que é tão valiosa para a história da humanidade.”

Níccolo também aponta para a importância de espaços voltados para o blues na cidade, além da presença dos próprios músicos, para tornar o gênero mais conhecido. “O próprio ato de subir no palco e tocar música é a ferramenta que a gente tem pra difundir o estilo e alcançar públicos novos”. A existência de espaços que dão voz ao blues e aos cantores deste estilo também assume um papel de garantir o reconhecimento da história e da influência negra. “É importante sempre lembrar, respeitar e resgatar isso. Tocar, como a gente está fazendo aqui; deixar essa música no palco, na frente das pessoas e no ouvido das pessoas, que é onde ela deve estar.” 

O cantor descreve a dificuldade de encontrar lugares que aceitam o blues na sua “verdadeira forma”: intensa e visceral. Esse não é o caso do Purple Reis que, com repertório e conhecimento sobre o estilo, torna-se uma casa que possibilita aos músicos a liberdade de tocar blues como realmente deve ser tocado.

O Purple Reis existe há dez anos e tem como principal objetivo ser uma casa que leve experiências positivas para as pessoas, seja pelo ambiente, pelo atendimento ou pela música. Sócio do bar, Alexandre Vicentini descreve o local como um espaço cultural, e menciona que a falta de lugares voltados a receber músicos, em especial do blues, é um problema a ser enfrentado. “A cidade está cada vez mais carente de espaços nesse formato, mais democrático, mais tranquilo e que tenha música de qualidade. Precisamos abrir espaço para que a música aconteça e para que as pessoas tenham acesso a esses conteúdos”.

Em 2018, o bar sofreu um incêndio e fechou as portas, para ser reaberto em fevereiro de 2019. Com a pandemia, o local foi novamente fechado, sendo reaberto em fevereiro deste ano. De acordo com Vicentini, mesmo com as dificuldades, o Purple Reis ainda se dedica a disponibilizar o local como um espaço cultural e a relembrar e preservar as tradições e influências do blues em Curitiba. “Acredito que somos uma resistência cultural: abrimos espaço para alguns gêneros e também buscamos preservar a essência do Blues”.

O nascimento do Blues

O Blues surgiu no século XIX, nos Estados Unidos, durante um período pós fim da escravatura estadunidense. Esse ritmo é considerado um estilo musical africano, pois nasce de heranças dos escravos que foram trazidos da África para estados sulistas norte-americanos, como Alabama, Geórgia, Louisiana, Mississippi e Texas.

A abolição, embora oficializada, não resultou em igualdade imediata para os afro-americanos, que continuaram a enfrentar discriminação e violência, além das leis de segregação racial que os marginalizava ainda mais. Esses escravos libertos ainda trabalhavam, principalmente, nos campos de algodão e enfrentavam longas jornadas de trabalho; e, para passar o tempo, cantavam sobre as tristezas de suas vidas como escravos e a esperança de um futuro melhor.

O termo “Blues” vem da expressão em inglês “Feeling Blue”, que significa estar triste, deprimido ou melancólico, sentimentos muito presentes nesse tipo de música. Esse gênero é composto como se fosse um diálogo, proveniente de uma técnica chamada “Call and response” (em português “Chamada e resposta”), que é quando a música possui uma voz principal que convoca e um coro que responde.

O Blues se consolidou durante a fase de transição, na qual a população negra começou a se estabelecer em comunidades periféricas e empobrecidas, e passou a desfrutar de uma pequena liberdade, reunindo-se em rodas de canto para compartilhar experiências e emoções. As letras abordavam temas cotidianos como amor, traição e trabalho, refletindo as dificuldades enfrentadas no dia a dia. Essa tradição musical tem raízes nos Spirituals, cânticos religiosos do período escravocrata, que influenciaram profundamente a estrutura e a estética do blues. Elementos como o padrão de chamada e resposta e o uso de melismas — técnica vocal que prolonga uma sílaba por várias notas — foram incorporados, dando ao blues uma expressividade única e uma conexão profunda com a herança africana.

Com o passar do tempo o estilo foi se desenvolvendo, trazendo instrumentos para o som. O banjo foi um dos primeiros instrumentos inseridos e faz parte de seu ritmo até hoje. Esse foi um grande marco na história do Blues, pois fez com que surgissem os primeiros grandes nomes de seu gênero, entre eles Eddie “One-String” Jones e Papa Charlie Jackson. Nesse momento também a improvisação se torna um dos pontos fortes do estilo, trazendo reconhecimento aos Delta-Blues, uma vertente muito forte do Blues que mistura os sons rurais clássicos com sons urbanos, e que deu fama a grandes nomes como Robert Johnson.

A migração de músicos para Chicago e a fundação da Bluebird Records, em 1932, marcaram o início de uma nova era para o blues. Influenciado pelo ambiente urbano, o gênero incorporou o contrabaixo como elemento central, conferindo-lhe uma sonoridade distinta. As bandas passaram a incluir uma variedade maior de instrumentos, como piano e saxofone, expandindo-se em tamanho e se apresentando em locais antes inusitados para o blues, como teatros.

Nesse cenário, artistas como Bessie Smith, conhecida como a “Imperatriz do Blues”; e Ma Rainey, a “Mãe do Blues”, ganharam destaque. Suas vozes poderosas e letras expressivas não apenas ampliaram a presença feminina no gênero, mas também contribuíram para a popularização comercial do blues.Paralelamente, músicos como Louis Jordan “King of the Jukebox”, e Big Joe Turner começaram a incorporar elementos que antecipavam o surgimento do rock and roll, como ritmos mais dançantes e o uso de guitarras elétricas. Essas inovações estabeleceram uma ponte entre o blues tradicional e os novos estilos musicais que iam surgir nas décadas seguintes.

Apesar de altos e baixos ao longo de mais de 120 anos de história, o Blues é um dos estilos que mais influenciou o surgimento de outros gêneros musicais. Referenciado e representado até hoje nos mais diversos ritmos, a essência do estilo sempre vai ser lembrada na história da música.

Autores

  • Ana Maria Marques

    Olá! Me chamo Ana Maria Marques, sou estudante de Jornalismo da PUCPR e atualmente estou no terceiro período da graduação. Me apaixonei por jornalismo sonoro e aprendi a ver a rádio como uma possibilidade de carreira. Também sou fã de MMA e espero poder trabalhar nessa área um dia!

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  • Isabela Borges

    Estudante de jornalismo apaixonada por contar histórias que informam e inspiram. Busco oportunidades que me permitam transformar informações em instrumentos de justiça social e empatia.

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  • Millena Lechtchechen

    Sou estudante de Jornalismo e escrevo para entender o mundo e meu lugar nele. Me interesso por política, desigualdade social, direitos humanos e meio ambiente — temas que atravessam minha formação e minha vivência. Acredito no jornalismo como uma ferramenta de transformação social, capaz de dar voz a quem foi historicamente silenciado.

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Ana Maria Marques

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