Cães contribuem para a realidade dos catadores de lixo de Curitiba

por Isabela Lobianco
Cães contribuem para a realidade  dos catadores de lixo de Curitiba

Os cães, fiéis companheiros dos coletores de lixo de Curitiba, favorecem o desempenho dos trabalhadores

Por Isabela Lobianco, Lorena Motter e Valentina Nunes

Os catadores de lixo são personagens cotidianos para quem mora em Curitiba. Esses trabalhadores passam o dia nas ruas com seus cães em busca de materiais recicláveis, que ainda podem ser aproveitados, reformados ou reciclados.

Normalmente, esses indivíduos utilizam carrinhos de mão, adaptados em bicicletas ou triciclos, ou mesmo puxados à força de tração humana. Apesar de reduzirem a quantidade de lixo doméstico acumulado nos municípios e contribuírem para a diminuição de resíduo direcionado a aterros e lixões, os coletores participam de um grupo que sofre com estigma e invisibilidade social.

Conforme o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 90% de tudo que o Brasil recicla é coletado por catadores. Estima-se que existam entre 800 mil e 1 milhão de desses trabalhadores no Brasil, de acordo com Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). Porém, não há dados oficiais sobre a categoria.

O catador Virlei Silva afirma que seu cachorro, Guardião, participa de todo o seu percurso de trabalho há mais de oito anos. “O Guardião faz o caminho todo comigo e conhece o caminho já. Eu venho três vezes por semana e ele vem junto”.

O coletor adotou seu parceiro quando filhotinhos foram abandonados em uma construção ao lado de sua casa na Vila Fanny. A dupla é tão inseparável que pessoas começaram a ajudar a cuidar do animal. “Viam que eu tratava bem dele [Guardião] e começaram a ajudar, dar dinheiro para comprar ração para ele.”

Já o Otávio*, tem um cuidado diferente com os seus dois amigos caninos, Lola e Scooby. Ele prefere deixá-los em casa, devido aos perigos das ruas. “Deixam esses cachorros quase morrer na rua. Eu já tive que meter o carrinho na rua para não matarem“, comenta o trabalhador. Mesmo mantendo os animais no ambiente doméstico, o catador se beneficia da presença dos companheiros. “Eu chego em casa e eles já ficam alegres. É muito bom.”

catador lixo

Otávio durante seu expediente de trabalho | Foto: Isabela Lobianco

Na época em que ainda trabalhava acompanhado de cães, Otávio conta que se sentia menos sozinho. “A gente chegava nas praças, colocava água, ração, descansava um pouco e ia. Era uma companhia.”

Uma tentativa da própria classe de gerar conforto é realizar os percursos de suas caminhadas acompanhados de cães. O adestrador e especialista em comportamento canino Rafael Wineski acredita que a companhia do cachorro pode minimizar a sensação de abandono. “Não é um relacionamento humano. Tampouco pode substituir relações humanas, mas serve para amenizar quadros sentimentais causados por abandono e também serve para a construção de ‘pontes’ emocionais com novas pessoas e/ou como catalisador para intervenção de psicólogos e terapeutas.”

Além disso, Wineski fala sobre o conforto das pessoas em serem acompanhadas por um cão durante o trabalho, visto que entre a relação do humano com o animal, há fatores fisiológicos e emocionais. Essa conexão pode ajudar na saúde mental, reduzindo os níveis de estresse e ansiedade do tutor do cão.

O especialista ainda comenta que os cachorros influenciam no humor dos seres humanos, de forma que ajuda também no desempenho do trabalho. Nota-se mudanças no humor das pessoas quando estão em contato com esses animais, o que gera o aumento de foco e concentração, tendo como resultado o crescimento na produtividade das atividades.
A coordenadora do projeto Focinhos, organização sem fins lucrativos que oferece reabilitação, proteção e adoção de cães de rua, Thays Victoria Lima, explica a influência canina no desempenho humano. “Quando eles entram em ação é como se as preocupações que norteiam fossem embora e o que sobra é a alegria que nos dá força para raciocinar de forma efetiva.”

catador virlei cachorro

Virlei e seu cachorro Guardião brincam durante expediente de trabalho | Foto: Isabela Lobianco

Thays conta que pesquisas mostram que o contato com os animais promove diminuição da frequência cardíaca, da pressão arterial e de sintomas de estresse, desta forma o contato com os animais possibilita experiências positivas e ricas. Ela afirma que muitos cães são a única companhia e referência de apoio para seus tutores. Muitas vezes são o motivo para sair de casa e ter contato com outras pessoas, propiciando uma melhora das relações sociais.

A coordenadora acredita que o sentimento mais obscuro que um ser humano pode ter é acabar com sua vida. “Isso geralmente pode acontecer pelo pensamento de estarmos sozinhos e não termos nada a perder.” Uma pesquisa feita pela Universidade de Toronto observou que conviver com um cachorro pode reduzir 24% dos casos de morte precoce por qualquer doença.

*Otávio optou por preservar seu sobrenome.

CATADORES E O AMOR INCONDICIONAL PELOS AMIGOS CANINOS 

 

Os catadores Virlei e Otávio falam com muito orgulho de seus parceiros caninos. Eles mesmos afirmam que desconhecem uma vida sem os amigos de quatro patas. “Cachorrinho é melhor que o ser humano, às vezes”, diz Otávio, ao defender a inocência dos cães. Além de companheiros, para a maioria das pessoas, os pets deixaram de ser simples parceiros e passaram a ser membros da família. Por isso, os coletores, acham primordial a amizade e cuidado com seus cães.

 

Confira algumas imagens que representam o carinho que Virlei e Otávio tem pelos seus pets: 

 

catador curitiba

Catador Virlei durante jornada de trabalho no bairro Água Verde | Foto: Isabela Lobianco

 

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Virlei e Guardião andam juntos três vezes por semana | Foto: Isabela Lobianco

 

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Virlei adotou o Guardião há mais de 8 anos | Foto: Isabela Lobianco

 

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Otávio vai às ruas quatro vezes por semana | Foto: Isabela Lobianco

 

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Otávio gesticula ao falar de seus cachorros, Lola e Scooby | Foto: Isabela Lobianco