Centro Cultural Pontarolla presta reforço escolar popular em ocupação do Tatuquara

Crianças da comunidade respondem questões após roda de leitura
Comunidade com cerca de 80 famílias é composta por aproximadamente 90 crianças
POR: Ana Maria Marques, Isabela Borges e Millena Lechtchechen. | Foto: Isabela Borges
O Centro Cultural Pontarolla, localizado em uma área de ocupação no bairro Tatuquara, sobrevive com trabalho voluntário das fundadoras do centro e de moradores da região. Entre as atividades do espaço, destacam-se o reforço escolar popular oferecido para as crianças semanalmente, além de leitura, pintura, artesanato e outros.
A ação foi idealizada e executada por três irmãs, Juliana de Oliveira, Damares de Moraes e Daiana Moraes, filhas de moradores da ocupação que reservam seus sábados e tiram dinheiro do próprio bolso para manter o centro funcionando. O projeto foi fundado em 2013 a céu aberto em cima de uma lona no chão de barro, o que ficava inviável nos dias de chuva. Com o tempo, houve necessidade da construção do primeiro espaço, que pegou fogo em 2020. No ano passado, a comunidade ergueu o centro por meio de doações e hoje atende cerca de vinte e uma crianças de 4 até 13 anos.
O centro também oferece ações veterinárias periodicamente e serviços de dentista a cada 3 meses para a população. Uma das idealizadoras do projeto Damares Silva de Moraes afirma que todas as crianças do centro vão para a escola e fazem reforço escolar, mas muitas vezes isso não é o suficiente. “Recebemos uma adolescente de 13 anos que não sabia ler nem escrever estando no 7° ano, fazendo aula e contraturno. A gente percebeu que tinha que mudar isso”.
Damares afirma que a necessidade de ter um atendimento específico para os adolescentes tem se ampliado com os crescentes casos de gravidez entre os jovens, no momento, a comunidade tem quatro gestantes com idade por volta dos 13 anos. Para isso, precisam enfrentar algumas adversidades como a falta de voluntários e a dificuldade na participação desses jovens que muitas vezes precisam trabalhar pelo próprio sustento. “Tem uma menina que vem sempre, mas hoje ela tá vendendo bala no sinaleiro”.
A moradora da comunidade Pontarolla Evelyn Alves tem 5 filhos. Ela afirma que o centro ajuda no desenvolvimento escolar das crianças e que elas se animam em participar. “Todo sábado é assim, almoçam correndo pra ir para o centro”. Leticia da Silva também é moradora e tem 3 crianças que frequentam regularmente o centro. Ela diz sentir diferença no desempenho escolar e na socialização dos filhos. “Eu não tenho estudo, então não posso ajudar eles”.
A voluntária do projeto Jurema da Cruz Moura, 69 anos, nunca frequentou a escola e encontrou no centro uma oportunidade de se envolver com o ensino das crianças e com as causas da comunidade. “Nós precisamos de uma moradia digna”. Apesar de não saber ler, Jurema descobriu novas formas de se expressar e viu no centro um meio para combater a depressão.
Além das atividades, o centro realiza o levantamento de informações sobre as cerca de 80 famílias que vivem na região. A pesquisa abrange escolaridade, tipo de habitação, doenças, idade, renda, quantidade de filhos e outros fatores. Os dados são utilizados para o controle e a destinação dos fundos como o repasse de cestas básicas, roupas, kit para gestantes, cadeira de rodas ou qualquer outra necessidade específica de cada morador.
Segundo o levantamento feito pela própria equipe do Centro Cultural, cerca de 90% das casas da comunidade são feitas de madeira reaproveitada, possuindo frestas e umidade, além de grande parte não possuir pia, chuveiro ou vaso sanitário. O coordenador da Frente Organização dos Trabalhadores (FORT) e membro do Despejo Zero, Pedro Carrano, trabalha com a região do Pontarolla há cerca de dois anos e afirma que a falta de regularização fundiária e o risco de despejo forçado traz dificuldades para que essas famílias possam se estruturar. Isso traz mais riscos para as crianças, pois raramente há uma divisão bem feita entre domicílios e existem famílias inteiras dividindo o mesmo cômodo, sem acesso aos serviços básicos essenciais como água encanada. “Se nós tivéssemos um projeto habitacional no Tatuquara, políticas públicas consistentes e robustas, políticas públicas de educação. Tudo isso reflete na situação e repercute na criminalidade.”
O membro do Despejo Zero também ressalta que o centro é um verdadeiro espaço político por concentrar a força da comunidade pela forma como esses ambientes cotidianos mostram que a população está vivendo e quer se organizar e se enraizar dentro desse território. “Há uma ligação direta da luta contra o despejo com a construção de um espaço comunitário”.
Pedro ressalta a especial dificuldade que essas comunidades enfrentam ao solicitar os serviços da Sanepar, que se recusa, em tese, a instalar o relógio de água em áreas oriundas de ocupação. A comunidade Fazendinha, no Campina do Siqueira, conseguiu a instalação do relógio apenas após 8 anos de existência. Em resposta, a Sanepar afirma que por lei não pode instalar redes de água e esgoto em loteamento ou áreas irregulares.

Idealizadoras do centro e moradores do Tatuquara há 30 anos.
Onde surge a cultura
Para o sociólogo e professor coordenador da especialização em antropologia cultural Cauê Kruger, at
uar nos sistemas culturais de sua própria comunidade faz parte do processo de desenvolvimento e crescimento pessoal, além de compartilhar e adquirir conhecimento.
Além disso, Cauê também ressalta a evidente barreira simbólica educacional no acesso à cultura por meio de instituições elitistas e burguesas, e destaca a importância da cultura local das comunidades. “Muito da cultura popular urbana é criada exatamente em locais periféricos, por redes de jovens artistas que funcionam como mediadores entre grupos e instituições sociais”.