Crítica: Ariel, uma “peça de teatro” que vai embora antes dos aplausos

por Carolina Senff
Crítica: Ariel, uma “peça de teatro” que vai embora antes dos aplausos

Filme de Lois Patiño é uma releitura complexa e criativa da obra A Tempestade, de William Shakespeare

Por Carolina Senff | Fotos: Divulgação Ariel

A abertura da mostra competitiva internacional do 14º olhar de cinema trouxe Ariel para o Brasil. O charme da sessão começa pelo local, o Museu Oscar Niemeyer já é uma introdução do tom artístico que a curadoria traz para esta edição do evento.

O filme é o quarto da carreira do diretor e roteirista Lois Patiño e já esteve presente em grandes festivais ao redor do mundo como o Festival Internacional de Cinema de Roterdã. Já nos primeiros minutos do longa é possível perceber que este é um filme de nicho, para um público seleto, que valoriza o cinema de arte que faz “arte pela arte”.

Ariel é mais do que baseado na peça A Tempestade de William Shakespeare, é uma homenagem ao autor. Tudo começa com Augustine Muñoz viajando a uma ilha para interpretar Ariel na peça de Shakespeare, mas assim como no texto britânico ela vai para uma ilha “mágica”. A diferença de magia aqui é que em vez da história de a tempestade acontecer, Augustine chega em um local onde todas as pessoas atuam (ou são) os personagens que o autor inglês escreveu ao longo da vida.

Lois Patiño tomou para si a personalidade da personagem Ariel, um espírito do ar, um sopro de liberdade. Assistir ao filme é como voltar para as interpretações do século XVII. É um emaranhado de roteiros: Romeu e Julieta, Hamlet, MacBeth, Otelo e Rei Lear. Todos os dias os personagens da ilha tem que interpretar suas peças e finalizá-las antes do sol se pôr, mas o que acontece se eles não conseguirem? Bom Ariel, a personagem que conduz a encenação do palco em forma geográfica de ilha não possui essa resposta.

Na primeira metade do filme somos Augustine, perdidos em uma loucura tentando compreender o que está acontecendo. Isso se você tiver entendimento teatral e da obra de Shakespeare, caso não tenha provavelmente a monotonia irá tomar conta de você. Esse é um impeditivo do filme, ele tem pouco cinema e muito teatro, e um teatro específico demais para o público do século XXI.

Na segunda metade perdemos Augustine para a ilha. Ela compreende que nenhum dos atores percebe que são personagens e embarca na loucura e assume o papel de Ariel, e nossa antiga Ariel (Irene Paredes) perdida em dúvidas permite ser guiada por este novo espírito do ar. O público agora assiste um compilado de Shakespeare em algo que remete a velocidade 1.5 de áudios do WhatsApp para que todas as peças sejam finalizadas a tempo, por que caso não chegue ao momento dos bravos e aplausos o que irá acontecer?

O filme permitiu que eu me perguntasse, será que somos apenas personagens do destino em nossas próprias vidas? O filme reforça constantemente a relevância de poder escrever sua própria história, ser sua própria narrativa. Usa e abusa da metalinguagem para nos dizer que personagens criam as histórias e um bom autor escuta suas personagens. Mas agora quem são os personagens que devemos escutar em nossa realidade? Vamos tomar o posicionamento de autores, ou iremos permitir ser guiados pelas palavras de um alguém que sequer conhecemos?

MacBeth finalizada. Otelo Finalizada. Romeu e Julieta finalizada. Hamlet finalizada. Rei Lear finalizada. A tempestade, ainda incompleta. Ariel precisa dar sua última fala, mas e se ela não der, e se as cortinas não fecharem? Augustine diz que é preciso ter coragem e então antes do sol terminar de se pôr os créditos finais sobem na tela, nós o público ficamos sem um final.

Seja comédia ou um drama, todos os enredos têm um final, mas e se ele não acontecer? Ariel não é um filme de respostas, mas sim de perguntas. É um longa de muitas antíteses, estranhamente belo, teatralmente cinematográfico, uma homenagem confusa a um grande autor. Monótono e tedioso oscilando com o divertido e empolgante. Rico em estética e com muita personalidade nas tomadas de decisão. Isso tudo pode adiantar de nada se o público não tiver repertório para compreender o roteiro difícil do Patiño.

Se você é fã de William Shakespeare, seja bem vindo a Ariel, uma viagem a uma Ilha portuguesa que irá te fazer questionar suas decisões e o quanto você lembra das aulas de literatura que teve na escola.

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