Crítica: Emilia Pérez é um Festival de Narcisismo

por Carolina Senff
Crítica: Emilia Pérez é um Festival de Narcisismo

Karla Sofía Gáscon e Zoe Saldnña em cena de Emília Perez

Vencedor do Cannes e maior indicado do Oscar 2025 é desrespeitoso e disrruptivo. O longa de 2h42 esvazia pautas importantes e é alvo de críticas.

Por Carolina Senff | Foto: Divulgação Emília Perez

O longa-metragem Emília Perez no último mês tem sido pautado por polêmicas devido aos posicionamentos deturpados do diretor Jacques Audiard (O Profeta) e da atriz principal Karla Sofía Gascón. Assim que o filme chegou aos cinemas brasileiros fiz questão de ir assistir para entender se o filme era tudo o que falavam, fosse positivamente ou negativamente.

A conclusão que cheguei é que toda a produção de Emília Pérez é um show de narcisismo. Emília Perez é uma ideia boa extremamente mal executada por escolha própria. Dessa vez o motivo não é falta de orçamento, é falta de vontade.

É frustrante ver uma produção com orçamento e fôlego que teria potencial para ser palco de uma pauta importantíssima como a transexualidade tratar de forma tão banal e superficial o tema. A transição de gênero de Manitas para Emília Perez é muito mais abordada através da visão da advogada Rita, o que dificulta a identificação com a personagem. As cenas em Bangcoc parecem uma sátira com a vivência de pessoas trans ao redor do mundo que realizam cirurgias para ajudar na identificação e a acabar com disforias. É repugnante assistir o número musical “La Vaginoplastia”.

As atuações não são expressivas. É vergonhoso o que Selena Gomez faz, é uma atuação imatura e grotesca. Karla Sofía Gáscon não é ruim, mas não é boa. Falta carga emocional. Ela como atriz trans poderia trazer um trabalho mais aprofundado.  Rita Mora Castro, vivida por Zoe Saldaña é disparada a melhor personagem e melhor atriz do longa. É a única personagem que consegui me conectar emocionalmente. É impressionante o que Zoe entrega com um roteiro frouxo e uma direção fajuta. Defendo sua indicação ao Oscar pelo trabalho que entrega com o nada que tinha.

Selena Gomez em cena musical de Emília Perez

É triste ver o desandar da carruagem. O filme não começa mal, a sequência inicial não é das piores, mas depois disso é só ladeira a baixo. A cada minuto que passa o filme tenta se provar mais, a cada instante busca ser mais grandioso e em sua ganância se perde e vira uma piada. Outra sequência que pode ser uma exceção do filme que me agradou é o número musical “Lady”. Aqui o diretor encontrou um ritmo pro filme que é conexo com o enredo, mas logo se perde e tudo volta a parecer uma novela mexicana de má qualidade.

É compreensível a tentativa de realizar um musical que não possui músicas que seguem o perfil estereotipado de músicas da Broadway, entretanto não justifica a falta de criatividade nas composições. A impressão ao assistir o filme é que uma inteligência artificial de baixa qualidade escreveu as canções e as melodias ficaram por conta de uma turma de musicalização da quarta série.

É fato de que o diretor de fotografia estudou muito, ele sabe explorar as variedades de planos e movimentações que existem no universo do cinema, cria iluminações diferentes e tenta inovar nas cenas musicais. O que me pergunto é, mas com qual motivo? Até que ponto a fotografia está contando uma história? A fotografia no cinema é usar da imagem junto ao inconsciente das pessoas para narrar a história. O fotógrafo Paul Guilhaume pode conhecer técnicas, mas não contou nada com elas.

Cena do filme Emília Perez

O maior absurdo do filme é a falta de comprometimento com a história. Uma obra cinematográfica não pode deixar de estudar a cultura que é base de sua narrativa. Emília Perez estereotipa a cultura mexicana de formas inimagináveis. A cultura do México é reduzida a cartéis e corpos desaparecidos, sem explicar as origens desses problemas sociais. É violenta a escolha do roteirista de colocar ex – agentes de cartéis como “Salvadores da Pátria”, é ofensivo e desrespeitoso a série de escolhas erradas que acontecem não por uma, mas por várias pessoas da equipe desse filme.

Caso tenha interesse em assistir uma obra que respeite a cultura mexicana recomendo “Roma” de Alfonso Cuarón e o documentário “3 minutos, um abraço”.

Emília Pérez pode ter ganhado o Cannes 2024 em uma ilusão visual bela, mas com o passar dos meses o público (principalmente latino) percebe o narcisismo que cegou os olhos de artistas ao fazerem algo grandioso, porém disrruptivo. Não é justificável as 13 indicações ao Oscar, que faz o filme francês se equiparar aos filmes “E o Vento Levou” (1939), “Forrest Gump” (1994), “Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel” (2001), “Chicago” (2002) e “Oppenheimer” (2023). Espero que Emília Perez seja uma lição de como não fazer um filme para os futuros cineastas que entram no mercado.



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