Crítica: Quantas Gils existem no Brasil?

por Carolina Senff
Crítica: Quantas Gils existem no Brasil?

Filme de Maria Clara Escobar, “Explode São Paulo, Gil”, é um grande reflexo social sobre o questionamento, nós sonhamos ou alguém sonha por nós?

Por Carolina Senff | Fotos: Divulgação Explode São Paulo, Gil

“Explode São Paulo, Gil”, filme exibido na Competitiva Brasileira do Festival Olhar de CInema conta a história de Gil, uma mulher goianiense, periférica, lésbica e diagnosticada com epilepsia que se muda para São Paulo. Gil dentro de si tem uma voz artística que possui a coragem de sonhar. No meio da vida dura e caótica, o encontro com a diretora Maria Clara Escobar fez da vida de Gil uma narrativa audiovisual da complexidade de viver e de ser.

O longa abre com uma câmera fixa, imagem granulada, som com ruídos e um depoimento. Um monólogo de uma diarista contando que o sonho dela era recomeçar pra poder apenas ser, ser sem medo de existir. Essa primeira sequência, longa e densa, é um chacoalhão que te prepara para o que está por vir.

Após isso, vemos conversas entre Maria Clara e Gil. Elas fazem um acordo. As duas irão fazer um filme, uma exibição de arte onde Gil irá ser uma cantora famosa. A ideia é inverter o papel, é ser o gostinho da vida que queria ter, mas que sabe que não irá acontecr.

O fluxo narrativo segue com a vivência da personagem, sua realidade morando na periferia paulista e as interferências de Maria Clara Escobar em momentos pontuais extraindo da personagem as informações que o público precisa assistir. Demora, mas aos poucos essas informações salpicadas que vamos recebendo ajuda o público a se conectar com Gil.

Música, esse é o grande amor de Gil. As raízes que lembram vagamente o sertanejo, mas se consolidam no MPB e rock são o que estruturam a carreira musical de Gildeane Leonina. Em karaokês ela solta a voz, e durante o dia limpa casas, e quando sobra tempo para sonhar? Explode São Paulo Gil é um soco no estômago ao escancarar a realidade de mulheres brasileiras que fazem da sua vida o que é preciso fazer, mas não o que elas querem. Quanto custa sonhar? Quem tem a sorte de poder ter um sonho? Gil desafia a realidade ao sonhar em fazer música e faz o que pode para que isso vire realidade. 

Em uma cena tocante Gil em seu quarto pequeno com uma caixa de som estridente dança e se emociona ao assistir um vídeo de Susan Boyle na audiência do programa britânico The X Factor. Para quem não compreende o contexto de cara, Susan é uma mulher do interior da Inglaterra de 47 anos que cantou a música “I dreamed a dream” do musical Os Miseráveis em um programa de TV de revelação de talentos. Fui tocada e senti a angústia de algum dia ser aquilo que todos dizem que você não pode ser.

O filme segue mostrando a jornada de desafios e superações que Gil vive. Ela grava um disco, faz shows, conquista fãs e permanece sendo Gildeane Leonina, uma mulher que não por escolha, mas sim necessidade, luta todos os dias. As várias cenas que lembram videoclipes dos anos 80/90 da personagem cantando por minutos podem ser necessárias no início, mas da metade pro final é enrolado. Mas será que não era essa a intenção da diretora? Filmes como o de Maria Clara Escobar seguem o perfil da frase “nada é por acaso”. A longevidade dessas cenas mostram como é a sensação da vida real, mesmo em meio de coisas tão lindas, ela é cansativa.

Na reta final do longa, nossa agora conhecida Gil, passa por um ataque epiléptico que faz com que ela tenha amnésia recente. Toda sua carreira construída foi esquecida. Em meio a uma dança de atuação corporal misturada com um show de luzes, o telespectador é teletransportado para as sensações de uma convulsão, o que o personagem principal enfrentou tantas vezes na vida.  Em estilo documental ouvimos a voz da diretora perguntando a Gildeane o que mais ela queria fazer na vida depois de ter conquistado tanto. “Ah, eu gostaria de fazer um filme”, e assim chegamos ao fim. 

“Explode São Paulo, Gil” é a explosão de uma mulher que não nasceu com o direito de sonhar, nasceu com o dever de lutar. Quantas Gils existem no Brasil? São tantas as que por falta oportunidade jamais vão poder tentar ser algo além do que a sociedade guarda para você. O filme faz você se sentir impotente em uma sala de cinema. É na pequenez que este longa é um estalo para abrir os olhos e conhecer o mundo.

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