Fibrose pulmonar idiopática atinge cerca de 18 mil brasileiros

por Giovana Tirapelli
Fibrose pulmonar idiopática atinge cerca de 18 mil brasileiros

7 de setembro é o Dia Mundial de Conscientização sobre essa doença rara que acomete 43 a cada 100 mil pessoas no planeta

Por Giovana Tirapelli | Foto: Giovana Tirapelli

Durante a temporada da coleta de dados para o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Dirceu foi recrutado como recenseador. Mal sabia que momentos mais tarde entraria para os índices daqueles que adquiriram Fibrose Pulmonar Idiopática (FPI), doença sem causa precisa que atinge cerca de 43 pessoas a cada 100.000 no mundo.

Dirceu com o oxigênio.

Em setembro de 2022, precisamente no dia de conscientização da doença, Dirceu procurou um hospital por conta da falta de ar. Foi internado e após uma bateria de exames recebeu o diagnóstico de Fibrose Pulmonar Idiopática, o que indicava que perderia sua capacidade de ir e vir. “Foi difícil, porque fiquei paralisado”, relata. “A dificuldade era tamanha, que tudo que queria fazer parecia impossível.”

O que é FPI

A Fibrose Pulmonar Idiopática (FPI) faz com que os tecidos pulmonares, antes saudáveis, fiquem espessos, com cicatrizes que impossibilitam a respiração habitual. A doença é uma das derivações da pneumonia intersticial idiopática, um termo utilizado para descrever enfermidades que afetam o espaço intersticial. Um colágeno denso que compõe a parede dos órgãos, essencial para a nutrição e oxigenação das células. Quando há acúmulo anormal de pus no tecido pulmonar, ocorre uma inflamação que obstrui esse espaço, isso torna a vida do paciente um desafio constante, afinal há diminuição da capacidade de absorver e transferir oxigênio. “Comecei a sentir o cansaço, meu caminhar foi diminuindo, semana por semana, mês por mês, até que chegou aonde chegou”, relata Dirceu Tirapelli. “Era terrível para mim andar dez passos e ir ao banheiro.”

Mesmo dispondo de uma alimentação balanceada e uma rotina de exercícios, não foi possível evitar o surgimento da doença. Dirceu deixou de fumar há, aproximadamente, 20 anos, duas décadas sem um maço de cigarro. Iniciou sua história com o tabaco quando tinha apenas 18 anos. Vítima dos padrões sociais de sua época, criou um vício que perdurou quase quatro décadas, trinta e cinco anos de degradação pulmonar. “Quanto ao cigarro, os médicos dizem que não foi o determinante para a situação à qual cheguei”, explica. “Nesse tempo de vinte anos, fazia corridas, fui a pé para Aparecida, sem fadigas”, relata. Contudo não há como apagar os estragos que a nicotina provoca nos pulmões.

De acordo com o pneumologista Paulo de Carvalho, o perfil dos afetados é de idosos com antecedentes de tabagismo. Porém, o tabaco não é a causa direta da doença, é apenas um dos fatores que colaboram para sua progressão. A coordenadora da Comissão Científica de Doenças Intersticiais Pulmonares da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Karin Storrer explica que o tabagismo é um fator de risco importante para o desenvolvimento da FPI, mas que existem vários outros envolvidos, tais como fatores genéticos e ambientais. Esses problemas causam micro lesões no epitélio alveolar envelhecido, permitindo a ocorrência de uma produção maior de colágeno. O acúmulo excessivo torna os alvéolos irreversivelmente colapsados e não funcionais, o que dificulta a respiração ordinária.

Terceiro Pulmão

Os sintomas da doença já estavam presentes na rotina de Dirceu, mas somente quando a fadiga rotineira o levou ao leito hospitalar recebeu o diagnóstico preciso de Fibrose Pulmonar Idiopática. Ficou internado em torno de uma semana. Semana na qual se recusava a deixar a filha e a esposa verem o estado em que se encontrava. “Quando fui internado, achei que não iria ter volta […] eu havia chegado no fundo do poço”, afirma. Teria que usar oxigênio para o resto de sua vida.

Durante sua adaptação, o processamento de que sua liberdade fora restringida a uma máquina de oxigênio causou grande impacto na rotina.  Atividades banais como caminhar do escritório para a cozinha, causavam fadiga extrema. Quem dera dar uma volta na cidade. Impossível. Em sua limitada situação, Dirceu encontrou a melancolia para entender o que se passava, queria compreender a doença, entender as condições daquilo que estava enfrentando. Perdeu sete quilos no processo.

Na busca por tratamento, descobriu que as possibilidades eram limitadas. Não há cura para a FPI. Foi necessária a inserção de um segundo pulmão, seu aparelho de oxigênio, que deve usar cotidianamente. “É minha muleta, é minha cadeira de rodas, não perdi a liberdade, mas sei dos meus limites.” Infelizmente, o uso diário do O2 nasal não é suficiente para estacionar a progressão da doença. A fisioterapia pulmonar com um dos dois medicamentos indicados para a doença seria o modo de tratamento adequado, ao qual Dirceu tem acesso, mas que não está disponível para boa parte da população. De acordo com Karin Storrer, existem 29 centros de referência para tratamento da FPI no país. Tais centros dão suporte para aqueles que não possuem condições de arcar com as despesas do tratamento, como o respirador e a fisioterapia.

Ouro em pílulas

Existem dois medicamentos eficazes para o tratamento da FPI: pirfenidona e nintedanibe. Contudo, alguns pacientes não conseguem utilizá-los por suas reações e pelo seu alto valor. Foi preciso entrar com um processo judicial para que Dirceu tivesse acesso ao Esbriet (pirfenidona), remédio que custa em média 15 mil reais. “O juiz concedeu a sentença favorável”, explica o paciente. “Irei tomar o remédio para o resto de minha vida.” Dirceu está entre os pacientes que conseguiram a medicação pelo plano de saúde.

Um ano após o diagnóstico

O susto gerado pelo repentino diagnóstico não impediu Dirceu de dar continuidade à sua rotina. “A doença veio, então tive que ter consciência de que conviveria com ela”, diz. “Não mudou tanto a minha vida, continuo comendo bem, caminhando, andando de ônibus…”. Muitas das pessoas que convivem com a doença não possuem meios de suporte para o tratamento. Por mais que existam programas do Sistema Único de Saúde (SUS), os gastos para tratamento da FPI são altos.

“Em relação a outras pessoas com esse problema, estou no céu, com esse aparelho eu não perdi minha liberdade”, afirma Dirceu. “Porém, o convênio só disponibiliza o oxigênio

Dirceu e a esposa, Tereza.

de casa”. Os outros meios do tratamento são financiados por familiares, tanto a fisioterapia quanto a máquina portátil de O2. Caso não obtivesse acesso a tais tratamentos, sua situação seria mais limitada, afinal a degradação dos pulmões provoca a formação de cicatrizes.

Além da fisioterapia e da constante oxigenação, Dirceu continua a fazer a utilização de um medicamento que impede a degeneração pulmonar, estando ainda em conflito judicial para que o convênio a custeie. Apesar das dificuldades após o diagnóstico, ele permanece obstinado. “Não vou me conformar, não posso acomodar-me”, diz. A família percebe a melhora em relação ao dia em que Dirceu descobriu ser portador de Fibrose Pulmonar Idiopática. Um dos principais suportes ele encontra na esposa, Tereza Faria. “Foi difícil. Muito difícil”, relata em poucas palavras, mas sem esconder a emoção de assistir aos progressos e persistência do marido.

 

* Reportagem fotográfica produzida para a disciplina de Fotojornalismo, ministrada pela professora Luana Navarro para o 1.º período do curso de Jornalismo da PUCPR.