Mães que trabalham de home office enfrentam jornada tripla

Foto ilustativa, representando a realidade da vida de centenas de mulheres, que compartilham o ambiente profissional com o doméstico.
Vendedoras relatam dificuldade em conciliar a maternidade com o trabalho home office. Segundo o IBGE, mulheres da região sul do Brasil dedicam 31,12% do tempo a mais do que os homens em casa no cuidado de pessoas e/ou afazeres domésticos
Por Clara Iorhana
O equilíbrio entre trabalho doméstico e o home office tem sido um grande desafio para mulheres que atuam na área de vendas em Curitiba. Muitas delas relatam dificuldade em dar atenção aos filhos e precisam lidar com a pressão e a culpa, sem deixar de apresentar resultados para as empresas que trabalham.
O grande desafio é a jornada tripla, com uma carga contínua de trabalho, em que lidam com o home office, a maternidade e a gestão do ambiente doméstico. “Por ser um contínuo que não tem intervalo, a rotina impossibilita as mulheres de terem saúde. O que você vai ter como resultado são adoecimentos que vão surgir de diversas formas”, avalia Ana Paula Nunes, assistente social na Universidade Federal do Paraná (UFPR), especializada na área de educação, saúde pública e saúde mental.
De acordo a edição de 2024 da Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil feita pelo IBGE, a média de horas semanais dedicadas a cuidados de pessoas e/ou afazeres domésticos, entre homens e mulheres do Brasil, na região Sul é aproximadamente 34,44% pros homens e 65,56% para as mulheres. Um reflexo da carga depositada para grande parte da população feminina. Ana Paula Nunes alerta que essa falta de apoio familiar e comunitário pode agravar ainda mais a situação dessas mulheres, reduzindo a capacidade delas construírem redes de relações e, consequentemente, as isolando ainda mais.
Amanda Leontino da Cruz, vendedora em regime CLT de home office da empresa Unigloves Brasil, é um exemplo dessa tripla jornada de trabalho, ao precisar conciliar o cuidado com os dois filhos e a casa. “Consigo trabalhar enquanto o Bernardo dorme. Na cama, ele tira sonecas muito rápidas de 10 a 15 minutos. Para trabalhar, tenho que ficar com ele no colo e aí ele consegue dormir umas duas, duas horas e meia.”
Um dos desafios enfrentados pela profissional foi a dificuldade de encontrar uma creche para o filho caçula. Para encaixar em sua própria rotina de trabalho, Amanda precisou recorrer a uma escola particular ao invés da pública. Mesmo assim, o bebê de 11 meses teve dificuldade em se adaptar e voltou para casa.
Em função disso, o grande dilema da vendedora é conciliar a atenção ao trabalho, com 30 clientes revoltados de uma vez, e o bebê, que faz questão de ganhar um colo e, sempre que tem oportunidade, interage nas ferramentas de trabalho de sua mãe. “Daqui a pouco acaba a distração e já volta a pedir colo, chorar na minha perna querendo que eu pegue ele. Se dou colo enquanto trabalho ele fica chutando o computador. Ele quer escrever!”
Para Amanda, o grande desafio em dividir as atenções é trocar a fralda e preparar um alimento com antecedência sem atrapalhar as demandas da empresa. “No final da tarde me sinto mal por não ter dado comida, ou paro e dou comida, mas acabo rendendo menos no trabalho”. Amanda sofre uma exaustão devido a falta de uma rede de apoio. Mesmo com o marido presente na vida das crianças, ele ainda não consegue auxiliar nas tarefas devido ao trabalho no regime presencial.
“Às vezes no final do dia a gente se sente super frustrada por não atingir a meta”
Rosana Oliveira Pires apresenta outra perspectiva da maternidade. Mãe de uma criança com Síndrome de Down e vendedora home office, ela administra tarefas e concilia com os estudos do filho. Por ele estudar no período da tarde e por poder contar com uma rede bem próxima, ela afirma que não estaria desamparada diante de imprevistos. “Somos privilegiados. Caso se faça necessário temos uma rede de apoio familiar sempre à disposição.”
Giordanna Oliveira Carvalho, coordenadora de vendas na modalidade home office e mãe de um recém nascido, expressa a importância de poder contar com sua mãe nessa nova etapa de sua vida, como o apoio mais importante e comenta um pouco dos sentimentos envolvidos durante essa rotina, que causam uma pressão constante. “Quando vamos para a prática, essas sensações se misturam e vem a preocupação, o medo de não estar sendo presente nem no trabalho nem com o bebê e um pouco de culpa também. ”
A sensação de culpa é comum na rotina dessas mães. “É por essa condição de cuidar de alguém que tem uma total dependência de um adulto que essas mulheres trabalhadoras antecipam qualquer ausência que elas vão ter trabalhando muito mais”, avalia a assistente social Ana Paula.

Psicóloga Letícia Anjos, trás alerta sobre possível burnout causado por pressões constantes em ambiente doméstico.
“O burnout está saindo do ambiente do trabalho e esse esgotamento está vindo para dentro da própria casa”, relata a psicóloga Letícia Anjos, que defende a importância do amparo emocional na vida dessas mães, com pessoas presentes tanto para auxiliá-las quanto para criarem um espaço de acolhimento.