Moradores em situação de rua reagem a projeto de lei contra a construção de abrigos provisórios em Curitiba

por Millena Lechtchechen
Moradores em situação de rua reagem a projeto de lei contra a construção de abrigos provisórios em Curitiba

Proposta foi apresentada pelo vereador Eder Borges (PL) e dispõe sobre a proibição da instalação de barracas, colchões e similares em vias públicas da cidade

Por: Millena Lechtchechen | Foto: Millena Lechtchechen

Pessoas em situação de rua de Curitiba ouvidas pelo Comunicare temem a possibilidade do projeto de lei que visa proibir a construção de abrigos provisórios em vias públicas ser aprovado na câmara municipal. Em sua proposta apresentada no começo de janeiro, o vereador Eder Borges (PL) afirma que a prefeitura oferta abrigos com estrutura e competência o suficiente para a população necessitada.

Segundo dados do CadÚnico, existem atualmente cerca de 4.057 pessoas em situação de rua em Curitiba, enquanto a equipe da FAS e conveniados contam com 1.790 vagas disponíveis, divididas em 33 unidades. Ou seja, a Prefeitura tem capacidade para atender apenas 44% da demanda. Além disso, a FAS não tem estrutura para suprir a necessidade de todas as pessoas, como donos de carrinhos de reciclagem que necessitam de espaços de acolhimento especiais.

Leonildo Monteiro Filho, Presidente do instituto nacional de direitos humanos da população de rua (INRua) e ex-morador em situação de rua, afirma que o vereador desconhece a real situação da população. “A gente sabe que tem mais de cem carrinheiros na cidade de Curitiba, dormindo dentro do carrinho”.

O presidente do INRua ressalta que o péssimo tratamento que os moradores sofrem nas casas de acolhimento é um problema a ser enfrentado na atualidade, assim como as pragas decorrentes da falta de higiene nos ambientes. “O que a gente luta com o movimento é por moradia, para tirar as pessoas da rua tem que ter uma política de moradia que o município não tem”.

Para o morador em situação de rua, Wiliam Hernandez, a experiência não foi diferente. Ele faz uso diariamente dos sistemas de acolhimento e reclama sobre os maus tratos que sofre. “O pessoal maltrata a gente, trata a gente como lixo”.

De acordo com a FAS, nos centros POP de atendimento o público é atendido e orientado sobre maneiras de reinserção no mercado de trabalho e autonomia. Porém, de acordo com o site da prefeitura, os Centros Pops contam com apenas 220 vagas, divididas em 3 unidades.

Everson De Carvalho, 21 anos, é morador em situação de rua desde os 8 anos. Ele afirma que apesar das promessas, a FAS nunca conseguiu ajudá-lo a encontrar um emprego. ”Por que eu to em situação de rua ainda? Porque a FAS não ajuda em nada”.

Um relatório do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos (NUCIDH) de 2024, apontou que cerca de 47% das pessoas em situação de rua não está em posse dos documentos de identificação e mais de um terço informou à Defensoria Pública que não recebe o Bolsa Família e outros benefícios por meio de cadastro no CadÚnico. Isso indica a possibilidade de o número de pessoas em situação de rua ser ainda maior do que os números oficiais.

Existem ainda casais em situação de rua que acabam separados durante o acolhimento. Esse é o caso de Ezequiel Dias, 43 anos, morador em situação de rua natural de Apucarana que veio para Curitiba em busca de uma vida melhor com a esposa. Na única vez que foi encaminhado para a FAS, Ezequiel afirmou ter ficado em um abrigo separado da esposa durante todo o período de acolhimento. Caso a lei seja aprovada, ele pretende continuar nas ruas de Curitiba. “Se eles me derem uma casa pra mim morar, aí eu vou pra casa, mas pra abrigo eu não vou não.”

Pessoas em situação de rua que possuem animais também sofrem com a separação forçada nos abrigos. A FAS é equipada com 23 Vans para abordagem social e todas possuem caixas para transporte de pets de pequeno e médio porte.

Os tutores que aceitam acolhimento são levados para a Praça Solidariedade, onde está localizado o canil e são recebidos no Centro POP Solidariedade ou na Casa de Passagem Padre Pio. A medida foi implementada para evitar que tutores se negassem a receber atendimento, porém não cobre donos de animais de grande porte que necessitam de acolhimento, ou aqueles que têm dificuldade para sair e voltar do abrigo.

Os conhecidos entre os moradores como “Cata-treco” são equipes de limpeza que passam recolhendo os itens de moradores em espaços públicos. A moradora do Sítio Cercado Lucilene Branco relata sobre o que presenciou enquanto acompanhava o marido cuidando de carros no centro da cidade. “Levaram o colchão da minha amiga, uma senhora de 60 anos sem família, agora ela só tem um cobertor”. A FAS nega qualquer tipo de envolvimento com o caso.

Rafaella Riesemberg, vice-coordenadora do Projeto Mãos Invisíveis, afirma que o projeto não vai fazer com que a população de rua suma, apenas vai tornar essas pessoas ainda mais vulneráveis. Mesmo que a quantidade de pessoas em situação de rua supere as vagas ofertadas, elas não estão todas ocupadas. “Um hotel que nunca chega na ocupação máxima, o problema é do cliente que não está indo hotel ou do hotel que não está dando condições para os clientes?” diz.

Rafaella explica que, dependendo da casa de passagem, ainda é preciso pegar senha. É necessário chegar muito antes e normalmente é no horário em que as pessoas estão pegando uma marmita, então grande parte prefere comer do que ficar na fila para ter o acolhimento. Além disso, muitas pessoas têm locais fixos em que fazem atividades informais, como cuidador de carro, ou aqueles que trabalham vendendo balas, cada com a sua própria região.

Segundo a FAS, as pessoas portando carrinhos de recicláveis podem ser atendidas em apenas duas regionais: Matriz e Boqueirão. Então não faz sentido para grande parte dessas pessoas sair para ter que voltar.

 

Ensaio: Millena Lechtchechen

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  • Millena Lechtchechen

    Sou estudante de Jornalismo e escrevo para entender o mundo e meu lugar nele. Me interesso por política, desigualdade social, direitos humanos e meio ambiente — temas que atravessam minha formação e minha vivência. Acredito no jornalismo como uma ferramenta de transformação social, capaz de dar voz a quem foi historicamente silenciado.

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