Números de casos de HIV no Brasil é quase o dobro de diagnósticos de AIDS

por Emilay Aguiar
Números de casos de HIV no Brasil é quase o dobro de diagnósticos de AIDS

HIV afeta milhares de brasileiros, com mais de 449 mil casos registrados. Número de casos é superior à AIDS, que atinge 256 mil, sendo os homens os principais infectados

Por: Beatriz Mangili, Emilay Aguiar, Manoela Gouvea e Maria Gabriele Fachini | Foto: IAG/Adobe Firefly

A comparação entre os dados de HIV e de AIDS mostra que o número de pessoas vivendo com o vírus é 1,75 vez maior do que o de pessoas com a doença. São 449.227 casos de infecção por HIV entre os anos de 2014 a 2024 e 256.551 casos de brasileiros com a AIDS entre os anos de 2013 a 2023.

Isso reforça a importância do tratamento e da conscientização, pois a AIDS é um estágio mais avançado da infecção do HIV. Mesmo com números menores comparados a infecção, ainda são 256.551 casos de pessoas com AIDS. Em um cenário em que ainda há tanto desconhecimento e estigma, a informação continua sendo a principal arma contra o HIV.

Neste cenário, os dados indicam uma realidade preocupante para o público masculino. Embora o Censo Demográfico de 2022 revele que o Brasil tem mais mulheres (104,5 milhões, ou 51,5% da população) do que homens (98,5 milhões, ou 48,5%). A taxa de infecção por HIV entre os homens foi de 33,27 por 100 mil habitantes, enquanto entre as mulheres foi de 11,19. Essa disparidade mostra que, mesmo sendo numericamente menores, os homens são mais afetados pelo vírus, o que reforça a necessidade de ações específicas para esse grupo.

Apesar dos avanços no tratamento e no acesso à informação, o HIV e a AIDS ainda representam um desafio para a saúde pública brasileira. A infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) ataca diretamente o sistema imunológico, especialmente as células CD4+ (ou linfócitos T auxiliares), responsáveis pela defesa do organismo contra infecções. Sem tratamento, essa condição evolui para a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), estágio mais grave da infecção, marcado por baixa imunidade e surgimento de doenças oportunistas.

Diferentemente de outras infecções virais, o corpo humano não é capaz de eliminar o HIV. No entanto, o avanço da medicina permitiu o desenvolvimento de antirretrovirais capazes de barrar a multiplicação do vírus, o que impede sua progressão e garante aos pacientes uma vida longa e saudável. Muitas pessoas soropositivas sequer desenvolvem a AIDS, desde que o tratamento seja iniciado precocemente e seguido corretamente.

Entre 2014 e 2024, o Ministério da Saúde do Brasil registrou 449.227 casos de infecção por HIV, sendo 324.573 em homens (72%) e 124.654 em mulheres (28%). A diferença de gênero é expressiva: para cada mulher infectada, há cerca de 2,6 homens com o vírus. Quanto às faixas etárias mais afetadas, entre os homens é de 20 a 29 anos, enquanto entre as mulheres, o pico se dá entre 25 e 34 anos. No comparativo direto, são 5.942 homens infectados de 20 a 29 anos contra 1.383 mulheres de 25 a 34 anos — ou seja, para cada mulher, há aproximadamente 4,3 homens infectados nessa faixa etária.

De acordo com o médico da equipe técnica da Secretaria da Saúde do Estado do Paraná (SESA), Eneas Sousa Filho, a prevalência maior de casos em homens se deve a diversos fatores, incluindo a forma de transmissão (penetração anal e relações sem proteção) e comportamentos sexuais.

“Em relações heterossexuais, a mulher é mais vulnerável à infecção porque a área de exposição da genitália feminina é maior e o sêmen tem maior carga viral do que a secreção vaginal. Na penetração anal, mais comum entre homens que têm relações homossexuais, aumenta a vulnerabilidade devido à maior ocorrência de lacerações e à forma como as mucosas absorvem as secreções”, explica o médico.

Comparação de dados de HIV

No Paraná, o número de homens infectados por HIV supera a população de Foz do Iguaçu, que conta com 295.500 habitantes. Já o total de mulheres com HIV ultrapassa a população de Arapongas, com 123.863 habitantes.

Uma análise por raça mostra que a maioria das pessoas infectadas se identifica como parda. Segundo o Censo de 2022 do IBGE, 45,3% da população brasileira é parda, o que representa cerca de 92,1 milhões de pessoas. Os dados indicam que 144.904 homens pardos foram infectados pelo HIV entre no recorte de 2014 a 2024, ao trazermos a relação dos números de habitantes das cidades do Paraná os valores são superiores à população total da cidade de Campo Largo.

Entre as mulheres pardas, foram 58.289 casos — o equivalente à população de Irati. Já entre a população branca, que representa 43,5% dos brasileiros, houve 117.154 casos entre homens (número próximo ao de Umuarama) e 39.590 entre mulheres, superando a população de Mandaguari. A raça indígena apresentou o menor número de infecções no período analisado.

Os dados mostram um aumento nos casos de HIV entre o público masculino, superando os índices femininos. Isso reforça a importância de incentivar os homens a procurarem médicos e realizarem exames regularmente para diagnóstico precoce e tratamento adequado. Outro ponto que chama a atenção é a maior presença do HIV entre a população parda, em comparação com outras raças, o que exige um olhar mais atento e políticas públicas direcionadas a esse grupo.

A escolaridade também influencia o perfil dos infectados. Entre 2013 e 2015, a maioria das mulheres diagnosticadas com HIV possuía escolaridade entre a 5ª e a 8ª série incompletas. A partir de 2015, o ensino médio completo passou a predominar. Entre os homens, o ensino médio liderava os números em 2013, foi superado pelo ensino superior completo nos dois anos seguintes, mas depois voltou a ser o grau mais comum entre os diagnosticados.

Considerando que a educação desempenha um papel importante na prevenção e na incidência de infecções sexualmente transmissíveis, como o HIV, o baixo nível de escolaridade pode dificultar o acesso a informações sobre prevenção do HIV e a adesão a medidas de proteção, exemplificou o infectologista, Eneas Sousa.

“Com isso, as orientações para prevenção e adesão ao tratamento devem ser feitas de forma clara para este os níveis de escolaridade mais elementares”.

Sintomas e transmissão

Os sintomas do HIV são diversos. Inicialmente, a infecção pode manifestar-se através de um quadro de mal-estar geral, com sintomas parecidos com os da gripe. Subsequentemente, o vírus pode permanecer no organismo por um extenso período sem sintomas aparentes. Segundo o site Cleveland Clinic, durante esta fase, a infecção vai deteriorando as células T. A evolução para a AIDS é caracterizada pela significativa redução dos níveis de células T ou pelo desenvolvimento de patologias oportunistas, incomuns em indivíduos imunocompetentes.

A transmissão do HIV ocorre por meio do contato com fluidos corporais contaminados, como sangue, sêmen, secreções vaginais e leite materno. As principais formas de contágio incluem relações sexuais desprotegidas, compartilhamento de seringas e a transmissão vertical — da mãe para o bebê durante a gravidez, parto ou amamentação. Os primeiros sintomas costumam ser inespecíficos, semelhantes aos de uma gripe, o que dificulta o diagnóstico precoce.

O médico infectologista Eneas Sousa explicou: “Durante a gravidez o vírus pode atravessar a placenta e infectar o feto, o contato do bebê com o sangue e fluidos maternos durante o parto pode causar a transmissão e o vírus pode ser transmitido através do leite materno. Em algumas situações, o parto vaginal pode ser seguro se a carga viral da mãe estiver baixa e controlada, mas a cesariana pode ser recomendada”.

A gestante com HIV deve ser acompanhada por um profissional de saúde para monitorar a carga viral e a saúde do bebê. O uso de medicações específicas pode proteger e evitar a transmissão.

Após a fase inicial, o vírus pode permanecer no organismo sem causar sintomas por muitos anos, enquanto danifica silenciosamente o sistema imunológico. Quando a quantidade de células CD4+ cai significativamente ou surgem doenças oportunistas, o quadro é então caracterizado como AIDS.

HIV se torna AIDS

Quando se observa os dados de 2013 a 2023 relativos à AIDS  — estágio avançado da infecção pelo HIV —, os números também são altos: 256.551 brasileiros vivem com a doença, sendo 181.855 homens e 74.696 mulheres. Isso representa uma proporção de 2,43 homens para cada mulher com AIDS. Essa diferença é consistente com os dados do HIV, mas mostra também que nem todos os infectados evoluem para o estágio grave, o que indica a eficácia dos tratamentos disponíveis.

AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) representa o estágio terminal e severo da infecção pela HIV. Indivíduos diagnosticados com AIDS exibem níveis significativamente reduzidos de linfócitos CD4+ e um sistema imunológico substancialmente debilitado. Conforme o site Cleveland Clinic, a presença de outras doenças podem indicar a progressão para o estágio avançado da infecção. Na ausência de intervenção médica, a infecção pelo HIV tende a evoluir para AIDS em um período aproximado de dez anos.

A faixa etária que é mais atingida pela AIDS é de 25 a 34 anos pelos homens. Já entre as mulheres, o grupo mais atingido é o de 30 a 39 anos. A evolução da doença tende a ocorrer anos após o contágio, o que explica o deslocamento das idades em relação aos dados de infecção por HIV.

No recorte racial, a população parda representa 114.483 casos de AIDS, seguida pela branca, com 97.320. A análise por gênero dentro de cada grupo racial revela disparidades significativas. Entre os brancos, a proporção de infectados é de 2,63 homens para cada mulher. Já entre os pardos, essa razão é de 1,38 homem para cada mulher diagnosticada com AIDS.

A escolaridade reflete padrões semelhantes ao HIV. Entre os homens, o ensino médio completo é o nível de escolaridade predominante entre os casos de AIDS. Já entre as mulheres, o cenário oscilou ao longo do tempo. De 2013 a 2016, predominavam os casos entre quem tinha até a 8ª série incompleta; em 2017, o ensino médio passou a liderar; em 2018, houve nova inversão, e de 2019 a 2023, o ensino médio voltou a ser o grau predominante.

Os dados de AIDS reforçam novamente a necessidade de atenção ao público masculino, à população parda e à escolaridade — fatores que se assemelham aos dados do HIV. Mesmo com números menores, a AIDS é um possível desdobramento do HIV, e por isso é essencial intensificar a prevenção e o tratamento precoce para evitar a progressão da infecção.

Histórico

A origem do HIV que sucede a AIDS ainda é alvo de estudos e debates. Acredita-se que o vírus tenha se originado a partir de uma variante do SIV (vírus da imunodeficiência símia), encontrado em chimpanzés e macacos-verdes da África Central e Ocidental. De acordo com pesquisadores citados pela revista Galileu, o salto do SIV para os humanos teria ocorrido por meio do contato com sangue contaminado desses animais durante caçadas ou pelo consumo da carne. Estima-se que isso tenha acontecido por volta da década de 1930. Com o tempo, o vírus se adaptou ao corpo humano e começou a se espalhar por outras regiões, especialmente com os conflitos e migrações provocados por guerras nas décadas de 1960 e 1970. No Brasil, o primeiro registro oficial da doença aconteceu em 1981.

Trazendo uma relação que aconteceu nos primeiros anos da epidemia em que o HIV foi erroneamente associado apenas a homens que mantinham relações sexuais com outros homens, o que deu origem ao termo “crise de saúde dos gays”. Essa estigmatização foi quebrada nos anos seguintes, quando surgiram os primeiros casos em mulheres e crianças. Com isso, ficou evidente que o vírus podia atingir qualquer pessoa, independentemente de gênero, orientação sexual ou idade.

Desde 1996, o Brasil distribui gratuitamente os medicamentos antirretrovirais (ARV) pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Esses medicamentos, introduzidos no país ainda na década de 1980, impedem a multiplicação do vírus, evitando o enfraquecimento do sistema imunológico. Com o uso contínuo e correto, é possível controlar a carga viral, prevenir complicações e evitar a transmissão do HIV. O tratamento é um dos pilares do combate à AIDS, juntamente com a informação, o diagnóstico precoce e o combate ao preconceito.

Esta reportagem foi desenvolvida na disciplina de Jornalismo Investigativo do curso de Jornalismo da PUCPR. Confira outras no link: www.portalcomunicare.com.br/jornalismo-investigativo

 

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