Privatização da Celepar preocupa especialistas e servidores de Curitiba

por Jeniffer Cristine Gonçalves de Carvalho
Privatização da Celepar preocupa especialistas e servidores de Curitiba

Sede da Celepar, em Curitiba: estatal responsável pela tecnologia da informação do Paraná enfrenta um impasse sobre sua privatização.

Possível privatização da Companhia traz preocupações quanto à proteção de dados, possíveis cortes de funcionários e impactos em serviços públicos

Por: Jeniffer Cristine Gonçalves de Carvalho | Foto: Roberto Dziura Jr/AEN

A lei que autoriza a privatização da Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná (Celepar), proposta por Ratinho Júnior (PSD), foi aprovada em novembro de 2024 pela Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). No entanto, a medida tem gerado discussões desde o início do mês de março, devido a inquietações quanto à proteção de dados, possíveis cortes de servidores e impactos nos serviços públicos prestados à população.

Em meio às crescentes preocupações, desde o primeiro trimestre de 2025, o governo do Paraná tem sido alvo de questionamentos por aderir medidas que aceleram o processo de privatização da Celepar, como a assinatura de contratos sem licitação. Uma das principais controvérsias envolve o convênio firmado com a Fundação de Apoio à Pesquisa, ao Ensino e à Cultura (Fapec), do Mato Grosso do Sul, para o tratamento de dados no Estado. A contratação, realizada sem debate público suficiente e sem consulta a especialistas em proteção de dados, levanta dúvidas sobre a transparência e a legalidade do processo, críticas encabeçadas pelo deputado estadual Arilson Chiorato (PT).

Assim, especialistas, servidores e gestores públicos em Curitiba estão preocupados com a possível privatização da Companhia. “Os trabalhadores da Celepar enxergam a possibilidade de privatização com indignação pela maneira como vem sendo feita de forma atropelada, desorganizada e sem necessidade”, avalia Adriana Gomes, Técnica Administrativa na unidade de Curitiba da Celepar. Os funcionários também têm receio de um possível vazamento de dados privados da população, que possam ir para as mãos de uma empresa privada. 

A preocupação se deve ao fato de que a Companhia é responsável pela criação e manutenção de soluções tecnológicas para o governo estadual e municipal, além de gerenciar a infraestrutura digital do Paraná, especialmente em Curitiba. 

Risco à segurança de dados

Como a Celepar tem domínio sobre dados pessoais, informações fiscais e comerciais da população curitibana, como cadastros de saúde, educação e segurança pública. A partir da transferência para o setor privado, há o risco de que essas informações sejam geridas por empresas que não possuam o mesmo comprometimento com a transparência e com a autonomia digital do governo. 

Para a Técnica Administrativa da Celepar Adriana, apesar de o governo afirmar que o perigo do vazamento de dados não existe, os servidores acreditam que pode vazar, prejudicando muita gente. Ela ainda finaliza comentando que a possibilidade de venda destas informações impactaria não só os curitibanos, mas também os paranaenses.

Toda essa preocupação surgiu a partir da fala do diretor-presidente da Celepar, André Gustavo Garbosa em uma entrevista concedida em 17 de dezembro de 2024 à TV Assembleia, canal oficial de comunicação da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), em que ele mencionou a possibilidade de comercializar dados dos cidadãos paranaenses por meio da privatização. “A venda de informações é um negócio em que todo mundo ganha. Isso é a monetização de dados, e nós estamos trabalhando forte na Celepar”. Declaração esta que infringe legislações como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Impacto na vida do funcionário público

Outra grande preocupação dessa possível privatização da Celepar é como isso afetará os servidores públicos que atuam na empresa. 

Adriana diz que os funcionários da Companhia estão vivendo com receio de perderem o emprego com essa privatização, já que a legislação aprovada prevê a criação de um Programa de Demissão Voluntária (PDV). Além de haver a possibilidade da nova administração privada implementar políticas de corte de custos, o que ocasionaria em sobrecarga de trabalho e redução salarial. 

Art. 4º A CELEPAR deverá propor a seus funcionários o Programa de Demissão Voluntária – PDV, que estará condicionado à conclusão da operação de desestatização da CELEPAR. Parágrafo único. O Programa de Demissão Voluntária – PDV será limitado a uma quantidade de trabalhadores que não prejudique a capacidade técnico-operacional e econômico-financeiro da CELEPAR.

Consequentemente, poderá provocar uma reestruturação da empresa, resultando em mudanças nas condições de trabalho, como a perda de estabilidade e benefícios garantidos. O cenário também pode gerar um ambiente de insegurança e instabilidade para os profissionais que permanecerem na organização.

E a população?

Segundo o cientista político Mario Sergio Lepre, a população não tem noção do que é a Celepar, já que a maioria da população do Paraná nem sabe que a empresa existe, o que sugere que a resistência à privatização será mínima, mesmo diante de críticas da oposição e da esquerda. Essa falta de compreensão da população sobre a Celepar facilita a privatização sem grandes repercussões e explica a ausência de protestos populares contra a medida.

Perante a aprovação da privatização da Celepar, as incertezas seguem tanto entre servidores quanto na esfera política e jurídica. As diversas controvérsias envolta da venda da estatal causam questionamentos sobre a segurança de dados, impactos no serviço público e possíveis demissões, enquanto a baixa mobilização popular reflete um desconhecimento sobre o papel estratégico da Companhia para o Estado e sua capital. 

Com a ação direta de inconstitucionalidade em tramitação e investigações sobre contratos governamentais, o futuro da Celepar permanece indeterminado. O desfecho desse processo dependerá de decisões judiciais e políticas que podem impactar diretamente a gestão da tecnologia da informação no Paraná e em Curitiba.

O cientista político Matheus Moraes enxerga a privatização da Celepar como parte de uma estratégia mais ampla do Governo do Estado. “A proposta de venda da Celepar não se sustenta apenas em argumentos técnicos ou econômicos, mas em uma clara agenda política de desmonte do Estado e favorecimento de grupos empresariais aliados ao governo”, avalia.

 

CONTEÚDO EXTRA:

A Privatização da Celepar: Interesses Políticos e os Rumos do Paraná Digital → Breve resumo da Privatização da CELEPAR e os interesses políticos na perspectiva do cientista político Matheus Moraes

Linha do tempo:

4 de novembro de 2024: Governador Ratinho Júnior encaminhou à Assembleia Legislativa o projeto de lei 661/2024, que autoriza a venda da Celepar (sem dar espaço para o debate público, seguindo em tramitação sob regime de urgência). 

6 de novembro de 2024: A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Alep aprovou o projeto de lei 661/2024 e instituiu o Conselho Estadual de Governança Digital e Segurança da Informação.

8 de novembro de 2024: Fórum das Entidades Sindicais (FES) reuniu representantes de sindicatos de servidores de todo o Paraná e funcionários da Celepar para planejar ações em defesa da empresa pública.

11 de novembro de 2024: Alep realizou uma audiência pública para discutir a privatização da Celepar. Deputados, lideranças sindicais e funcionários da empresa manifestaram preocupações sobre a segurança dos dados dos paranaenses e a rapidez na tramitação do projeto.

12 de novembro de 2024: O comitê de funcionários da Celepar lançou um abaixo-assinado contra a privatização, alertando para riscos relacionados à exposição de dados sigilosos e possíveis demissões em massa.

13 de novembro de 2024: Projeto de lei aprovado pela Alep em tempo recorde. A proposta tramitou em sessão extraordinária da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e em três sessões plenárias – uma ordinária, uma extra e outra antecipada.

17 de dezembro de 2024: Diretor-presidente da Celepar, André Gustavo Garbosa, declarou publicamente a possibilidade de vender dados dos cidadãos paranaenses para fins comerciais, visando à monetização dessas informações. A declaração gerou críticas da oposição e levantou preocupações sobre a violação da LGPD. ​

6 de fevereiro de 2025: Descoberto que o Governo do Paraná destinou R$ 10 milhões para acelerar o processo de privatização da Celepar, contratando, sem licitação, a Ernst & Young Assessoria Empresarial Ltda por R$ 8,7 milhões e o escritório Reis, Varrichio e Carrer Sociedade de Advogados por quase meio milhão de reais. Essas contratações levantaram suspeitas sobre a transparência e a necessidade da privatização. ​

10 de março de 2025: Ministério Público do Paraná apontou possíveis ilegalidades no processo de privatização da Celepar, destacando conflitos com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A promotora de Justiça Cláudia Cristina Madalozzo emitiu um parecer ressaltando que a Celepar gerencia dados sensíveis dos cidadãos, especialmente nas áreas de segurança pública e investigação criminal, e que sua privatização poderia comprometer a proteção dessas informações. ​

17 de março de 2025: O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) ordenou que o governo estadual, a Assembleia Legislativa (Alep) e o Ministério Público prestassem esclarecimentos sobre a privatização da Celepar. A decisão foi tomada após uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) do Partido dos Trabalhadores (PT), que questiona os impactos da venda da estatal, especialmente no que tange à segurança dos dados dos paranaenses. ​

31 de março de 2025: Comitê de Trabalhadores da Celepar emitiu uma nota questionando o contrato entre o governo do Paraná e a Fundação de Apoio à Pesquisa, ao Ensino e à Cultura (Fapec), do Mato Grosso do Sul, para o tratamento de dados no estado. 

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