Quando o crime se torna sucesso de bilheteria

por Sofia Magagnin
Quando o crime se torna sucesso de bilheteria

Transformar criminosos notórios em protagonistas coloca em xeque o discernimento dos jovens e pode despertar sentimentos conflitantes

Por Maria Cecília Zarpelon, Marina Prata e Sofia Magagnin

Durante a infância, o bullying que ela sofreu por conta da aparência deixou marcas profundas. Quando cresceu, tornou-se obcecada por serial killers, pois via que aqueles homens, assim como ela, estavam à margem da sociedade. Em sua cabeça, os assassinos retratados em filmes e na internet eram as verdadeiras vítimas. Incompreendidos, eram na verdade figuras excêntricas extremamente inteligentes, da mesma forma que Caroline*, hoje com 24 anos. “Eles controlavam a vida de outras pessoas, estavam acima da lei, agiam com arrogância, e eu achava isso tudo muito interessante. Eu não queria estar com eles, eu queria ser como eles”, relembra a jovem.

Foi por volta dos 15 anos que Caroline conheceu seu primeiro ídolo: Charles Manson. A entusiasta da cultura hippie teve contato com a história do assassino americano durante seus estudos, e foi aí que seu interesse por serial killers despertou. A jovem passou a consumir todos os tipos de conteúdos relacionados ao assunto, desde filmes e livros até participar das comunidades de fãs na internet. “Eu não era nem um pouco sensível. Via vídeos de pessoas sendo mortas e não sentia nada.”

A reviravolta na percepção de Caroline sobre seus ídolos veio quando a garota leu a entrevista da mãe de uma das vítimas do assassino e estuprador americano Ted Bundy. Nela, a mulher se queixava do foco da mídia nos criminosos e da falta de atenção para suas vítimas, que precisavam ser mais humanizadas. Foi então que a garota percebeu que, além de assassinos, os homens que admirava eram estupradores, tornando-a um alvo potencial. Isso fez com que ela desenvolvesse empatia e enxergasse tudo por outro aspecto. “Pensei: ‘poxa vida, eu estou idolatrando um estuprador”. 

Hoje, Caroline avalia que foi a romantização da mídia que transformou homens como Ted Bundy em grandes ídolos, espetacularizando suas histórias. “Quando você pesquisa a vida dele em qualquer lugar, está escrito ‘estudou Direito, defendeu a si mesmo no Tribunal, era muito inteligente…’. Mas na verdade, ele não era tão esperto quanto a mídia e a publicidade queriam mostrar. Ao invés de ser retratado como um vilão, ele se tornou um anti-herói”. Para ela, os homens com inteligência acima da média nada mais eram do que um “produto da publicidade”. “Isso é um prato cheio para um adolescente maluco”, alerta. 

Para a advogada criminalista Lívia Arcângelo, o grande problema da romantização de filmes e séries é que, ao contrário dos adultos, as crianças e adolescentes não têm discernimento para pensar as histórias de forma crítica. “Divulgar excessivamente é perigoso. Romantizar e vender esse conteúdo para jovens também, principalmente por conta do comportamento manada”, explica.

A especialista que, em seus estudos, teve contato com a mídia brasileira e americana, aponta que existe diferença na abordagem que esses dois países fazem sobre crimes. Enquanto as produções brasileiras demonizam seus criminosos, a indústria americana tende a retratá-los de forma romantizada e relativizada – o que é bastante arriscado.

“A gente não têm como censurar uma produção artística. Se isso florescer um sentimento de copycat em alguém é porque a ideia já estava dentro da pessoa, não foi a arte que criou. Ninguém se torna um serial killer vendo filmes”, opina a juíza criminal Cristiana Cordeiro. Entretanto, a confusão entre ficção e realidade dificulta a interpretação crítica desses conteúdos, o que torna essas produções um problema.

Outro fator delicado da superexposição de crimes na mídia, segundo a juíza, é a vantagem que seus autores levam em alguns casos. “Muitos querem aparecer, estar na mídia, seja pelo horrível, seja pelo maravilhoso. Talvez o pontapé para cometer o crime seja essa vontade de ser famoso, de ser alguém; porque, caso contrário, ele não seria ninguém”, reflete. 

*Nome completo ocultado para preservação da integridade da fonte