Graffitis políticos compõem debate eleitoral silencioso

por Lorena Motter
Graffitis políticos compõem debate eleitoral silencioso

Além de quebrar a monotonia cinza dos centros urbanos, com  cores vibrantes, a intervenção urbana também se consolidou como uma forma direta de expressão política

Por Lorena Motter, Isabela Lobianco e Valentina Nunes 

O graffiti é uma postura instantânea e marginal de estabelecer relações entre privado e o público, entre o cotidiano e a política. Pode ser entendido como uma marca política e simbólica, uma forma de expressão popular que critica a ordem imposta pelo Estado e pelas classes dominantes, combatendo injustiças e preconceitos. Esse tipo de expressão chegou ao Brasil no final da década de 70, nas ruas de São Paulo, quando ainda existia o regime militar e a prática era proibida. Desde então, a arte de rua vem sofrendo preconceito, já que muitos a enxergam como vandalismo, mesmo que atualmente seja legalizada.

O professor de Design da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) Kando Fukushima afirma que o graffiti, no campo da Arte, por passar, normalmente, por processos de circulação e legitimação diferentes dos “tradicionais”, também podem ser considerados como expressões “menores”. “Existe uma vinculação preconceituosa com a ideia de uma produção periférica, ’suja’… e o preconceito está relacionado com uma disputa e negociação social mais ampla (classe, etnia, raça, etc)”, diz o especialista em intervenção urbana.

Um projeto de lei que tramita na Assembleia Legislativa do Paraná, a proposta 425/2021, protocolada pelo deputado Boca Aberta Jr., quer tornar reconhecida a prática do graffiti como manifestação artística de valor cultural.

O designer comenta que essa forma de arte está conectada a vários movimentos sociais e artísticos, como o hip hop, vinculando-se com a performance, poesia e dança. Ela apresenta referências da sociedade, ou seja, com assuntos que trazem à tona a realidade do país, expondo críticas e opiniões através dos desenhos. “Evidenciam uma disputa social pela paisagem urbana, explicitando grupos, comunidades, indivíduos que comumente estão invisibilizados ou marginalizados”. Essa intervenção urbana é realizada em espaços públicos, como em muros e paredes do ambiente citadino, usufruindo de tintas, sprays ou látex.

Hoje, o graffiti brasileiro está entre os melhores do mundo. Os maiores talvez sejam a dupla “Os gêmeos”, com artes expostas em murais importantes que atraem atenção internacional, além de exposições em museus. “Existem diversas formas de valoração. Como possibilidade de expressão para grupos marginalizados, como experimento ou investigação visual, como Arte, como forma de contestação, etc. “Tem muitos trabalhos incríveis, reconhecidos ou não, outros nem tanto… Mas se for para generalizar, são inestimáveis”, avalia Fukushima.

O professor aponta que a motivação política é explícita, mesmo em trabalhos que não tematizem pautas/ agendas visivelmente “políticas”. “Tentar generalizar essa produção pode ter o efeito de empobrecer a diversidade de questões envolvidas”. Também pode servir como propaganda, seja apoiando o candidato ou fazendo uma crítica. Desse modo, causando reações e influenciando a opinião pública.

O grafiteiro Jair Moreira, conhecido pelo nome artístico Juninho Moreira, usa a arte como uma forma de crítica social ao racismo, patriarcado e religião. Ele explica que a intervenção urbana pode impactar a sociedade por ser um conteúdo polêmico. É possível influenciar também na opinião política. “Por se tornar parte da rotina, do cenário local, o graffiti te ‘obriga’ a ver tal conteúdo. Muitas vezes crítico, que acaba entrando no seu cotidiano e virando parte de seus argumentos”. O artista visual esclarece que a arte em geral costuma ser procurada por candidatos para serem usados em palanques durante as eleições. “Em época de eleições chega a ser um desserviço a contratação de artistas visuais para pintarem propagandas políticas, grande parte letreiros. Sem nenhuma crítica social, apenas com o nome e número do candidato. Isso não traz nenhum tipo de conteúdo e acaba se coincidindo com um dos objetivos da pichação, que é espalhar seu nome o máximo possível para ser lembrado.”

“No país do futebol, o meu ídolo não joga bola”: graffiti sobre Joaquim Barbosa | Foto: Isabela Lobianco

O empoderamento preto é um tema recorrente em graffitis | Foto: Lorena Motter

Lula apertando uma latinha de tinta para graffiti, no centro de Curitiba | Foto: Isabela Lobianco

Pixação política na região central da cidade | Foto: Isabela Lobianco

Graffiti embaixo do viaduto homenageando os povos nativos do Paraná | Foto: Isabela Lobianco

 

SAIBA MAIS SOBRE JUNINHO E SUA ARTE DE RUA

Jair Moreira Fernandes, mais conhecido como Juninho Moreira, de 26 anos, além de grafiteiro atua como artista visual desde 2015, muralista, educador cultural, pintor residencial e vice-presidente da associação de moradores da moradia Sabará I.

Busca pintar em comunidades carentes, com o objetivo de apresentar a arte a quem não tem acesso e principalmente crianças. 

Para acompanhar as artes do grafiteiro Juninho, instagram: @sagalienado_continua

ENTREVISTA JUNINHO

  • Para começar, pode explicar o que é o graffiti ? 

Graffiti é um tipo de arte, como várias outras. Mais polêmico pelo seu fácil acesso e por ser visível mesmo quando ignorado pela sociedade. Partindo desse pressuposto, a parte da ilegalidade é definida conforme as leis de cada cidade, estado, país. 

Nesse meio também podemos observar o “pixo”, estética de letras criada nas ruas paulistas no século passado e que até hoje se moderniza.

  • De que forma os graffitis são vistos pela sociedade ?

O graffiti (desenho) é visto pela sociedade como algo aceitável dependendo do seu conteúdo, formas e cores.

  • Sabemos que o graffiti também é uma forma de crítica social. De que forma isso pode impactar as pessoas que observam a arte ?

O graffiti, assim como outras artes, pode impactar a sociedade de diversas maneiras, desde crianças até adultos. Com suas temáticas variadas, muitas pessoas se identificam e acabam interagindo e até levando algum conteúdo do desenho para o seu dia a dia, como também algumas pessoas podem traduzir diversos traços e cores como algo ruim, que lhe provoca angústia e anseios.

  • Como o graffiti pode influenciar na percepção política da população?

Por ser visível mesmo quando ignoramos, por ser uma arte muito acessível ao público e, às vezes, “bonitinha, colorida”, com certeza, o graffiti pode influenciar na percepção política, a começar pela atenção que o público dá a ele. Muitas vezes também, até por se tornar parte da rotina do cenário local, o graffiti te “obriga” a ver tal conteúdo, muitas vezes crítico, que acaba entrando no seu cotidiano e virando parte de seus argumentos.

  • De que modo o graffiti serve de propaganda política positiva para um candidato? E negativa? 

A arte em geral costuma ser bastante procurada por candidatos para serem usadas como palanque político nas eleições. Para a população em geral, a arte, o colorido, é só mais um artefato que se soma a vários outros quando ansiamos uma “cidade modelo”. Para artistas repercute de maneira contrária, em época de eleição chega a ser um desserviço à contratação de artistas visuais para pintarem propagandas políticas, grande parte letreiros. Sem crítica social! Apenas com o nome e o número do candidato, isso não traz nenhum tipo de conteúdo e acaba se coincidindo com um dos objetivos da pichação, que é espalhar seu nome o máximo possível para ser lembrado, no caso, votado.

  • Além da política, quais outros movimentos sociais o graffiti está ligado ?

O graffiti, desenho, pode ser ligado a diversos movimentos sociais, dependendo do artista que o executa. Acaba sendo mais uma “linguagem” que o ajuda a expressar seus sentimentos e revoltas

  • Em qual crítica social sua arte está ligada ?

A minha arte é totalmente voltada ao tema da busca por igualdade, conquista de direitos. A começar pelo “direito à moradia”. Outras críticas ligadas são em relação ao racismo, preconceito, patriarcado e religião. Basicamente tudo o que dá embasamento ao ser humano se achar melhor perante outro.

  • Existe algum tipo de perseguição quando os temas dos graffitis são polêmicos?

Na “república de Curitiba”, dependendo do lugar em que ele é feito, é o que mais acontece. Lembramos que a cidade de Curitiba se divide em duas, a “cidade modelo” e a região periférica. 

  Não é difícil encontrar desenhos críticos depredados e rabiscados, principalmente quando são feitos em bairros mais “embranquecidos”. Também é fácil achar artistas desanimados e até com medo dessa perseguição, que vem de pessoas civis, militares e até governantes.

(Acho que essa é minha contribuição nesse tema tão espinhoso e abrangente. É importante deixar claro também que Curitiba é um dos piores lugares do país para se falar sobre graffiti, como também diversos outros temas, a exemplo direito à moradia. Difícil pela população ser fechada quanto ao assunto, quanto por seus governantes seguirem a política da “cidade limpa”, depreciando e criminalizando artistas e a arte.)