Mulheres ocupam menos de 6% das mais altas patentes do quadro ativo da Polícia Militar do Paraná

por Julia Moreira
Mulheres ocupam menos de 6% das mais altas patentes do quadro ativo da Polícia Militar do Paraná

Com pouco mais de 40 anos de atuação da instituição, somente 5 mulheres têm o título de Tenente-Coronel e outras 10, o de Major.

Por Julia Moreira | Foto: Reprodução/PMPR

Aos 18 anos, a jovem curitibana Ivane Jenck não tinha dúvidas daquilo que queria como sua carreira. Recém saída da Academia Policial Militar do Guatupê, prestou vestibular para o  Curso de Formação de Oficiais (CFO), na Universidade Federal do Paraná, para ingressar na Polícia Militar do Paraná (PMPR). Hoje, Major Ivane, uma das dez Majores entre 156 homens do quadro ativo de funcionários da Polícia Militar do Paraná (PMPR), é subcomandante do Batalhão da Cavalaria, do Regimento de Polícia Montada “Coronel Dulcídio”. A unidade operacional é a mais antiga da corporação. 

A insígnia de Major é uma das mais altas patentes da PMPR, atrás somente das patentes de Coronel e Tenente-Coronel, respectivamente. Na mesma posição de Ivane, somente outras nove mulheres, oito em Curitiba e uma em Maringá, ocupam o mesmo posto de Oficial. Com as patentes mais altas, há cinco mulheres com a patente de Tenente-Coronel, todas alocadas em Curitiba já que as Diretorias e Comandos Regionais estão, em maioria, localizados na capital. Se comparado ao número de homens na corporação nos mesmos postos, as mulheres correspondem a 6,02% na posição de Major e 6,76% na posição de Tenente-Coronel, conforme os dados disponíveis no Portal da Transparência

Para chegar às posições mais altas, Ivane teve que acumular feitos que a tornassem merecedora do posto. Isso porque, conforme o Decreto nº 5.200, de 30 de agosto de 2004, a promoção de oficiais é feita com base na atribuição de méritos, como reconhecimentos pelos pares e superiores, capacidade de chefia e liderança e demais aspectos da vida profissional. O Decreto nº 3.998, de 5 de novembro de 2001, bem como a Lei nº 5.944, de 21 de maio de 1969, preveem que a promoção aos cargos também se dá pelo critério de antiguidade. 

No caso de Ivane, quando ingressou na PMPR em 1997, ela foi designada para trabalhar como coordenadora de unidade em Foz do Iguaçu e, desde então, trabalhou em operações, como a Operação Verão, em programas, como o PROERD, e também na Agência Central de Inteligência (ACI). Entre os méritos acumulados por Ivane, aprimorar outras áreas de interesse, ela concluiu uma segunda graduação: a de educadora física. Na extensa lista de atribuições e especializações, Ivane acumulou pontos que a levaram à posição de Capitã. Sua promoção mais recente, à insígnia de Major, lhe foi concedida pelo tempo de corporação, ou seja, dentro do critério de antiguidade. 

Os números são pequenos, mas, ao mesmo tempo, são significativos, e ganham força em meio a um cenário de exigências como este. Nos 170 anos da Polícia Militar no estado, o número de mulheres que, assim como Ivane, compõem o quadro de oficiais ativos é o maior da história da corporação. No entanto, as mulheres só fazem parte dessa história há 46 anos.

A professora e vice-chefe do Departamento de Direito Penal e Processual Penal da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Clara Maria Borges Roman, vê a inclusão tardia das mulheres na corporação como uma das características de uma estrutura militarizada. “Assim como qualquer estrutura militarizada, a Polícia Militar sempre foi formada por homens e eles sempre comandaram tudo. É muito fundado na ideia de que você tem que ter a força física e a bravura masculina. O cargo militar está muito ligado à virilidade, então é difícil você fazer essa desvinculação, inclusive na mente da população que olha para essas instituições e espera isso”, destaca.

Carreira na Polícia Militar

O caminho escolhido por Ivane aos 18 anos, para iniciar sua carreira na corporação, é a forma comum para o ingresso de oficiais no quadro da PM. O candidato aprovado no vestibular da UFPR, para Curso de Formação de Oficiais (CFO), é submetido a várias etapas do concurso. Após aprovado em todas elas, é matriculado no CFO, que tem a duração de três anos. Uma vez concluído o CFO, o militar estadual é declarado aspirante-à-oficial, depois promovido a 2º Tenente, 1º Tenente, Capitão, Major, Tenente-Coronel, e por fim Coronel. 

Segundo a PMPR, a resposta para a falta de mulheres nas posições mais altas, como a de Coronel, vem desta etapa. “Geralmente, a quantidade de mulheres que se candidatam ao CFO é bem menor do que a de homens, consequentemente, todas as turmas têm poucas mulheres. Nos anos 90, algumas turmas não tinham mulheres ou tinham poucas. Se não há mulheres na função de Coronel, é porque não tinha na turma, se aposentaram ou saíram da corporação, pois a promoção segue critérios objetivos e impessoais definidos em lei”, explica a Assessoria de Comunicação da corporação.

A última mulher a ocupar a posição de Coronel deixou a instituição em 2019. A Coronel Audilene Rosa de Paula Dias foi a primeira mulher a ocupar o cargo de Comandante-geral da PMPR, cargo que ocupou entre abril de 2018 e fevereiro de 2019. Antes de assumir esse cargo, Audilene já fora detentora de títulos pioneiros. Em 2009, ela foi a primeira mulher a comandar o 8º Batalhão de Polícia Militar (BPM) de Paranavaí, posição que ocupou interinamente por oito meses. 

A primeira mulher a ser Coronel, Rita Aparecida de Oliveira, também acumula o título de primeira mulher a ser promovida a tenente-coronel na PMPR e na região Sul do País. Rita fez parte da primeira turma de mulheres a ingressar na corporação. Entre tantos primeiros, ela também foi a primeira mulher a comandar um batalhão da PMPR, o 12º. 

Um destino comum para as que deixam suas ocupações de pioneirismo na Polícia é a política. Em 2020, uma foto de “Coronel Aparecida”, ego de Rita Aparecida de Oliveira, nas urnas eletrônicas ao lado do número 25.190 ilustrava o desejo da policial em ser vereadora de Curitiba, pelo partido Democratas (DEM). Em 2022, “Coronel Audilene” era o nome de urna de urna da última coronel da corporação, que se candidatou a deputada estadual pelo Partido Progressista (PP). Ambas as candidatas foram eleitas como suplentes em seus respectivos cargos em disputa. 

Luz no fim do túnel

Na Polícia Militar, a igualdade é o limite para as mulheres. Isso porque elas nunca serão maioria na corporação, a depender da Lei Estadual nº 14.804/2005. A lei, que pauta os editais do concurso CFO e de cadetes da UFPR, define que as mulheres poderão ocupar 50% das vagas ofertadas, mas, se esse percentual for ultrapassado, serão nomeados candidatos do sexo masculino. 

Sexo Feminino: fica limitado o ingresso de pessoas do sexo feminino a até 50% das vagas ofertadas, nos termos da Lei estadual nº 14.804/2005. Atingido o limite previsto, não serão nomeadas candidatas do sexo feminino, independentemente da classificação final obtida no certame. – Trecho referente à lei no Edital nº 1/2024 do concurso de Cadetes da UFPR.

A medida, no entanto, é apontada como inconstitucional. Em julho de 2022, o Ministério Público do Paraná (MPPR) entrou com ação direta de inconstitucionalidade contra o texto da lei. Em nota divulgada pelo órgão, o MPPR aponta que “a legislação emprega critério discriminatório em desfavor de mulheres, desrespeitando a igualdade e a dignidade, bem como os direitos humanos e fundamentais a elas garantidos constitucionalmente”. Em agosto de 2023, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) julgou a ação como improcedente já que, pela interpretação da Corte, “os critérios diferenciadores encontram amparo na lei e fundamentação adequada”.

Para a docente da UFPR Clara Maria Borges Roman, a medida não deveria existir já que reforça estereótipos dentro da Polícia. “É uma insegurança que existe na instituição de ser vinculada em uma imagem feminina e ser visto como fraca. E a gente sabe que não existe essa questão”, aponta. Para ela, a restrição deveria dar lugar a uma lei de cotas. 

No Paraná, a restrição dos concursos parece generosa se comparado aos outros estados. No primeiro trimestre deste ano, o Supremo Tribunal Federal apontou a inconstitucionalidade dos editais de concursos de Santa Catarina, do Ceará e do Amazonas. Respectivamente, a porcentagem restritiva de mulheres era de 20%, 15% e 10%. Longe do ideal, a luz no fim do túnel é, na verdade, o feixe de luz de um fósforo.

 

Esta reportagem foi desenvolvida na disciplina de Jornalismo Investigativo do curso de Jornalismo da PUCPR.