A militância não é vilã

por Sofia Magagnin
A militância não é vilã

A vilanização do ativismo tem crescido e a causa negra é um dos principais alvos do ódio de grupos extremistas que encontram força nesse discurso

Por Maria Cecília Zarpelon, Marina Prata e Sofia Magagnin

Nos últimos anos, o mundo tem enfrentado uma onda de rejeição a pautas sociais. Muitos especialistas relacionam esse fenômeno com a ascensão da extrema-direita na política, uma tendência da qual o Brasil faz parte. A vilanização do ativismo e da militância tem crescido, e a causa negra é um dos principais alvos do ódio de grupos extremistas que encontram força nesse discurso. 

O racismo presente nas raízes históricas do Brasil, antes mascarado, tem dado as caras após anos de políticas voltadas para minorias. Na opinião do professor de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Amilcar Pereira, isso é evidenciado pelo resultado das últimas eleições. “Esse governo foi escolhido graças à negação do outro. Há uma parcela que vilaniza os movimentos sociais, um setor ideologicamente negacionista e também há uma ultradireita que se opõe à própria ideia de uma luta social por igualdade.”

De acordo com o professor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe (UFS) Petrônio Domingues, os movimentos sociais como um todo representam a resistência ao atual governo e às intolerâncias – e a luta negra tem assumido protagonismo nesse contexto. “O movimento negro historicamente se constituiu e se fortaleceu a favor da tolerância e da diversidade étnico-racial. Temos que aceitar, respeitar e reconhecer que esse é um país multirracial e, portanto, devemos vê-lo assim. A base da nossa nação se formou nas diferenças”, explica.

Olhar para o futuro

Para a ativista da causa negra Dora Lucia Bertulio, a atual circunstância requer que os movimentos sociais se reinventem. “Em nossa sociedade, estamos o tempo inteiro diminuindo os espaços de vida pública e de discussão. O discurso dos movimentos sociais acaba não entrando como verdadeiro e assim fica como uma coisa de meia dúzia de pessoas.” A militante acredita que a desinformação e a evasão do conhecimento estão intimamente ligadas ao rechaço pelas lutas sociais.

Dora critica o chamado “ativismo de redes sociais”, que reduz os movimentos a postagens e curtidas vazias, e a militante incentiva que os jovens busquem ir além na hora de defender suas bandeiras. “A possibilidade de as pessoas colocarem suas questões na internet diminui a oportunidade de serem ativas socialmente. A pandemia apenas nos mostrou o que estava acontecendo há muito tempo: o virtual é falso”, opina.

“De todos os movimentos que estão frágeis, a causa negra está ainda mais.” Tendo em vista o momento delicado de combate à desigualdade racial e o crescimento de atitudes e discursos racistas, a ativista crê que há uma diminuição no espaço para discussões sobre o racismo e consequente aumento na liberdade de pessoas preconceituosas se manifestarem, pois se sentem mais seguras da impunidade. 

Diante deste cenário, Dora aconselha: “É preciso investir mais em ir para fora dos nossos espaços e tentar, de alguma forma, ser mais incisivo nas comunidades, escolas, trabalhos, sindicatos… É preciso ser um pouco mais exibido na história, mais audacioso”, finaliza.