Após um ano de pandemia, Curitiba homenageia vítimas da Covid-19

por Leticia Fortes Molina Morelli
Após um ano de pandemia, Curitiba homenageia vítimas da Covid-19

A praça Memorial da Saúde é financiada com um recurso de R$459.174,75 da Lei Orçamentária Anual

Por Letícia Fortes Molina Morelli | Foto: Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMMA) – Divulgação

Em homenagem às vítimas da pandemia, a Prefeitura Municipal está construindo a praça Memorial da Saúde em Curitiba, que enfrentou o dia mais letal da pandemia em 23 de março, com um recorde de 45 óbitos diários. Além da iniciativa do poder público, grupos da sociedade civil, como o coletivo curitibano Movimento Levante e o Projeto Inumeráveis, de caráter nacional, também prestaram tributos às vítimas da Covid-19.

De acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMMA), a esquina das ruas Cruz Machado e Visconde de Nacar já tinha previsão de obras para integração ao meio urbano. Diante do cenário pandêmico, a SMMA afirma que “a nova praça vem também lembrar que por mais que haja esforços na saúde pública, a prevenção do contágio depende de cada cidadão: é preciso evitar aglomerações, usar máscara e higienizar as mãos frequentemente com água e sabão ou álcool em gel”.

Entre os cidadãos homenageados, está a técnica de enfermagem Valdirene Aparecida Ferreira dos Santos, primeira profissional de saúde vítima da Covid-19 em Curitiba. Dois painéis terão destaque na praça: um deles desenhado pelo pintor, gravurista e ilustrador brasileiro Antônio Maia e o outro apresentará um poema do escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano. A construção de monumentos em homenagem às vítimas da pandemia já ocorreu no Parque do Carmo em São Paulo (SP), em uma praça em Olímpia (SP) e no Cemitério da Penitência no Rio de Janeiro (RJ). 

Por outro lado, grupos da sociedade civil homenagearam as vítimas da Covid de forma alternativa. Um destes grupos é o Movimento Levante, que criou um memorial utilizando milhares de fitas coloridas, uma para cada vítima, para homenagear aqueles que perderam a vida para a Covid. A iniciativa ocorreu no prédio histórico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), na Praça Santos Andrade, em 26 de janeiro, e também deu espaço para que aqueles que perderam entes queridos pudessem prender mensagens ou escrever nas fitas.

Apesar de a homenagem do Movimento Levante ter engajado um público mais restrito, composto por estudantes e professores da UFPR, ela foi bem recebida por seu público-alvo, diferentemente da construção da praça Memorial da Saúde. A iniciativa da Prefeitura foi recebida com desconfiança por parte da população, que questionou o gasto público em torno de R$500 milhões no projeto de homenagem às vítimas da Covid em plena pandemia, como a professora aposentada Eleni Capparelli. “Nesse momento, muitas pessoas estão precisando de leitos nas UTIs e de cilindros de oxigênio”, afirma Eleni. Ela reconhece a iniciativa da Prefeitura, mas ressalta que o momento não é oportuno para a construção do memorial. “Hoje, acredito que a situação exige que os recursos sejam direcionados para a área da saúde e ao combate direto da pandemia”.

Para a psicóloga Erilande Diniz de Brito, as homenagens do poder público e da sociedade civil mostram o impacto de uma nova realidade criada pela pandemia, marcada pelo distanciamento social, uso de máscaras e álcool em gel e pelo luto coletivo. A psicóloga prevê algumas mudanças importantes na sociedade no período pós pandemia. “O aprender a lidar com a pandemia deve vir de políticas públicas de assistência social, tanto econômica  quanto psicológica, além de iniciativas de socialização organizadas por escolas e igrejas. É preciso fomentar a qualidade de vida do ser humano nas áreas física, mental, emocional e espiritual”. 

A assessoria de comunicação da SMMA afirma que “não houve comprometimento dos gastos com a saúde, que além de orçamento, possui um fundo anticrise, de R$ 500 milhões, que está sendo usado para enfrentar a pandemia, sobretudo com a abertura de novos leitos”.

[box] Mais de 300 mil memórias

Projeto Inumeráveis já contou a história de 40 curitibanos e de milhares de brasileiros

Na internet, a equipe do Projeto Inumeráveis também se destacou na construção de um memorial para as vítimas da Covid, principalmente em virtude de sua missão: “não há quem goste de ser número. Gente merece existir em prosa”. As homenagens são construídas a partir de informações concedidas por familiares ou amigos e que, posteriormente, são transformadas por jornalistas e escritores voluntários do projeto em textos tributos. Aos domingos, durante o programa Fantástico, algumas dessas histórias registradas no Memorial Inumeráveis já foram lidas e interpretadas por artistas como Alexandre Nero, Glória Pires e Henri Castelli.[/box]

Pandemia da Covid-19 pode aumentar o sofrimento psíquico da população

Manter a proximidade digital com e-mails, videoconferências e mensagens nas redes é uma das dicas da OMS para cuidar da saúde mental

A pandemia da Covid-19 trouxe desafios sanitários, políticos e econômicos para todos os países do mundo e, com a necessidade de reduzir a propagação do vírus através do isolamento social, o fator psicológico das pessoas também foi fortemente atingido. Para a psicóloga e master coach Erilande Diniz de Brito, graduada pela Universidade de Marília e pós-graduada em Administração e Planejamento para Docentes pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) e em Psicologia Evolutiva pela Universidade de Santiago de Compostela, a melhor maneira de lidar com as consequências da pandemia é investir em políticas públicas de assistência socioeconômica e em iniciativas de socialização em ambientes como colégios, empresas e templos religiosos. Confira a seguir a entrevista na íntegra:

 

Como a sociedade se comporta diante do luto coletivo? A maioria das pessoas lida com esse sentimento da mesma maneira, ou o processo varia de acordo com cada um?

Na realidade, o luto em si é um momento de muita dor e que já estabelece fases, que passam por negação, isolamento, raiva, muitas indagações, busca de respostas interiores, e esse é um processo de desgaste contínuo. Agora, com a pandemia, nós realmente estamos passando por essas fases coletivamente, porque todos nós estamos convivendo com o sentimento de perda. Só que cada pessoa lida com o luto coletivo à sua maneira. A pandemia terá um peso maior especialmente para as pessoas que focam na permanência da doença, na intensidade, na frequência, no desaparecimento e na recontagem de histórias dramáticas.

 

Por que o luto se manifesta de forma mais intensa com algumas pessoas? E o que elas podem fazer para buscarem paz interior após a perda de um ente querido?

Primeiro, a gente precisa considerar que cada ser humano pensa de uma forma diferente. Alguns estão focados na dor, pois a morte sempre traz um desafio maior para quem fica, enquanto trata-se de uma passagem para os que se foram, dependendo de cada crença ou fé. O melhor a fazer é pensar que os desafios vão significar algo no futuro, que nossas dores não serão em vão.

 

Mesmo antes de contermos o aumento de novos casos e mortes causadas pela Covid em todo o Brasil, a Prefeitura de Curitiba optou por iniciar as obras da praça Memorial da Saúde em homenagem às vítimas da pandemia, com um custo de cerca de R$500 mil. Essa decisão foi vista com desconfiança por parte dos habitantes, que pediram o investimento dessa quantia na área da saúde. Qual é a sua opinião sobre a construção do Memorial no presente momento? 

Eu acredito que a nação precisa de referências históricas, não no sentido de alimentar a dor, mas para simbolizar que, no mundo, vamos passar por várias outras adversidades após a pandemia. Eu acredito que há uma política de recursos para isso, e que deve haver constante planejamento governamental, comunitário e social. Até porque os órgãos governamentais têm essa finalidade de explicitar e relembrar os grandes acontecimentos da humanidade, e diante dessas manifestações, cada pessoa reage de uma maneira diferente.

 

Segundo artigo publicado no Brazilian Journal of Psychiatry, a quarta onda da pandemia será formada pelo trauma psíquico, pelas doenças mentais e pelo desgaste coletivo, agravado pela crise econômica e pelos momentos de isolamento social. Como psicóloga, qual é a sua perspectiva para o futuro pós pandemia?

Nós devemos olhar tanto na esfera da saúde mental quanto na esfera da prevenção de doenças psicossomáticas, porque o pós pandemia certamente vai trazer um significado muito doloroso, e as pessoas terão duas opções: aprender a lidar com ele ou adoecer e permanecer assim. Esse aprender a lidar com a pandemia vem através de políticas sociais, programas educacionais, atividades comunitárias e outras iniciativas que visem fomentar a qualidade de vida do ser humano em todas as esferas: física, mental, espiritual e emocional. Muitos profissionais da saúde, idosos e crianças nascidas neste período de pandemia vão precisar desse apoio. As crianças nascidas do ano passado até o momento, por exemplo, já não tiveram uma infância livre e normal como as demais: elas cresceram dentro de suas casas, vendo os pais e outros moradores da casa distantes uns dos outros, agindo com aparatos: máscara e álcool gel. Essas memórias vão perpetuar, e essa criança vai compreender que nasceu em um período doloroso, com luto, medo, temor e preocupação pairando no ambiente; e a perpetuação dessas memórias em grande escala é o que a Psicologia chama de inconsciente coletivo.

 

O que podemos fazer para diminuir os sentimentos de estresse, preocupação, ansiedade, medo e melancolia causados pelo luto coletivo? 

Na maioria dos casos, deverá haver um suporte antes que a situação se agrave. Muitas pessoas já vivem situações dolorosas não só pela Covid, mas por estresse, ansiedade, medo, e estão interpretando essas situações como um suposto sintoma da pandemia em vez de buscarem ajuda profissional. No entanto, esses já eram fatores predispostos que foram ativos conforme a maioria das pessoas passou a lidar com situações de preocupação social. Então, é a forma com a qual lidamos com as coisas que vai fazer a diferença nas nossas vidas. Na área empresarial, temos o exemplo dos supermercados, que foram considerados como serviços essenciais desde o início da pandemia. Você vai encontrar supermercados que continuaram com as vendas em declínio ano passado, mas também vai identificar supermercados que cresceram e promovem melhorias contínuas. O caso estressor é o mesmo: a pandemia. Mas por que as empresas têm resultados diferentes? Porque depende da estratégia adotada para encarar a adversidade.

E isso não é diferente na vida humana: o normal é pensar em “como eu vou lidar com essa situação para me fortalecer e me superar”, para investir na promoção do desenvolvimento pessoal e na busca de um equilíbrio consigo mesmo. Eu costumo dizer que, às vezes, parece que a maioria das pessoas espera por um milagre. É como se todos quisessem uma bebida com gelo, mas não estivessem dispostos a encher as forminhas com água e a esperar o congelamento dela. Então, nós temos que encher as forminhas e buscar a superação pessoal, de acordo com o nosso tempo e com as nossas possibilidades.