As canetadas desiguais do salário dos prefeitos de Curitiba e Região Metropolitana

por Leticia Fortes Molina Morelli
As canetadas desiguais do salário dos prefeitos de Curitiba e Região Metropolitana

A Prefeitura de Curitiba está encaminhando para licitação o projeto executivo para a reforma do Palácio 29 de Março, sede da Prefeitura de Curitiba, no Centro Cívico. Foto: Luiz Costa/SMCS

Dados de Portais da Transparência revelam que chefes do poder Executivo de cidades populosas podem receber até 5,2% a menos do que os gestores de municípios menores

Por Letícia Fortes Molina Morelli | Foto: Luiz Costa/SMCS

A diferença salarial entre os prefeitos de Curitiba e Região Metropolitana evidencia a influência das decisões da Câmara dos Vereadores no rendimento dos chefes do Executivo municipal. Embora Curitiba tenha uma população estimada em 1.963.726 habitantes pelo IBGE (2021) e, portanto seja 83% mais populosa que São José dos Pinhais, com 334.620 habitantes, a prefeita Margarida Maria Singer (Cidadania-PR) ganha 5,29% a mais do que Rafael Greca, em Curitiba. Quantitativamente, a primeira mulher eleita prefeita em uma das cidades mais conhecidas da região metropolitana da capital paranaense recebe um salário líquido de R$33.011,77, enquanto Greca recebe R$31.265,56.

Nesse sentido, o economista e professor Daniel Poit explica que o salário de prefeitos, vice-prefeitos e secretários municipais depende muito mais do lobby político da Câmara dos Vereadores do que do tamanho ou número de habitantes da cidade. A constatação é facilmente verificável não apenas na diferença salarial dos prefeitos de São José dos Pinhais e Curitiba, mas também de Campo Magro e Fazenda Rio Grande. Apesar de ser uma cidade 71% mais populosa que Campo Magro, o prefeito Nassib Hammad (PSL-PR), de Fazenda Rio Grande, ganha apenas R$680,02 a mais do que Cláudio Casagrande (PSD-PR), de Campo Magro, com apenas 30.151 habitantes. Quantitativamente, o salário líquido do prefeito de Fazenda Rio Grande é R$27.371,94, enquanto o prefeito de Campo Magro ganha uma remuneração de R$26.691,92. 

Logo, fica claro que o número de habitantes das duas cidades foi um indicador desconsiderado pelas respectivas Câmaras Municipais no cálculo do salário dos prefeitos, pois ambos ganham quase 30% a mais do que os de prefeitos de cidades com mais de 200 mil habitantes, como Colombo, onde o prefeito Helder Lazarotto (PSD-PR) ganha R$17.933,54. Em Campo Magro, Cláudio Casagrande (PSD-PR), e Nassib Hammad (PSL-PR), de Fazenda Rio Grande, também ganham mais do que os prefeitos de Campo Largo (135.678 habitantes) e Araucária (148.522 habitantes), onde os salários líquidos de Maurício Rivabem (PSL-PR) e Hissam Hussein Dehaini (Cidadania-PR) correspondem a R$14.997,42 e R$15.548,23, respectivamente.

 

Salários dos prefeitos das cidades paranaenses são definidos por cálculos políticos

A remuneração de prefeitos de diversas cidades do interior do Paraná é inferior à responsabilidade administrativa inerente ao número de habitantes dos locais. Existem cidades com mais de 100 mil habitantes onde o salário dos prefeitos não ultrapassa os R$ 20 mil, como Almirante Tamandaré (121.420 habitantes), Piraquara (116.852 habitantes) e Pinhais (134.788 habitantes), onde o salário líquido de Gerson Colodel (MDB-PR), Professor Josimar (PSD-PR) e Marli Paulino (PSD-PR) é de R$ 11.868,78, R$15.000 e R$17.639,52, respectivamente. Enquanto isso, em cidades menores como Quatro Barras (24.253 habitantes) e Itaperuçu (29.493 habitantes), os prefeitos Loreno Bernardo Tolardo (PSD-PR) e Neneu Artigas (PDT-PR) ganham R$17.670,33 e  R$11.143,78, respectivamente.

Porém, o inverso também ocorre: quando a remuneração do prefeito é proporcional ao número de habitantes do local. Por exemplo, o salário do prefeito de Campina Grande do Sul, Bihl Zanetti (PSD-PR), é de R$ 22.459,34, ou seja, 27,8% maior do que a renda de Karime Fayad (Republicanos-PR), de Rio Branco do Sul, que ganha R$ 16.218,78. No entanto, a diferença salarial condiz com o número de habitantes das cidades: Campina tem 44.072 cidadãos, enquanto Rio Branco tem 32.635 habitantes.

Para o cientista político da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Marco Rossi, a influência do lobby da Câmara dos Vereadores no salário dos prefeitos é uma representação municipal do jogo de interesses que constitui o cerne nacional da política brasileira. “No nosso país, o velho nunca deixou de existir para que o novo acontecesse: nós temos sobreposições. Então, nós não eliminamos o passado da mesma maneira que deveríamos, para começar uma renovação política e social menos elitista. Quem tem o maior número de alianças é quem tem mais espaço para falar sobre suas propostas e influência local, especialmente nas Câmaras Municipais”, afirma.

Isso ocorre porque o artigo 37 da Constituição Federal de 1988 determina que cada uma das Câmaras Municipais deve estabelecer, por lei, até quanto o seu prefeito pode ganhar. A única condição é que esse pagamento não ultrapasse o teto constitucional de R$33.763,00, isto é, o salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

Além disso, a remuneração do prefeito funciona como um teto salarial para os demais servidores municipais, o que significa que o pagamento dos demais servidores é sempre reajustado proporcionalmente ao salário do prefeito. O artigo 39 da constituição também proíbe os prefeitos de receberem qualquer outra verba além do próprio salário, também chamado de subsídio fixado nos portais da transparência dos municípios. O termo é utilizado para designar o salário bruto – ou seja, sem descontos tributários – de agentes políticos, diferentemente de servidores públicos, cuja remuneração é chamada somente de salário. Esse valor deve ser revisto anualmente pela Câmara dos Vereadores, e sempre na mesma data.

 

Receita da Prefeitura e PIB da cidade podem influenciar o cálculo salarial do Executivo municipal

Além do número de habitantes da cidade, outro fator que influencia na decisão da Câmara dos Vereadores em relação ao salário dos prefeitos e vereadores é a receita do município e o salário de um deputado estadual. Isso ocorre porque a Constituição Federal estabelece que as Câmaras Municipais não devem gastar mais de 20% de sua receita na própria folha de pagamento, o que inclui gastos com subsídios dos vereadores, prefeitos e vice-prefeitos. 

A remuneração de um vereador só pode divergir entre 20% e 75% do salário um deputado estadual, e a soma do pagamento de todos os vereadores não pode ultrapassar 5% da receita do município. Já a folha de pagamento de um prefeito pode variar entre R$ 5.621,39 e R$ 33.763,00, dependendo de cada cidade. Esses são os principais cálculos levados em consideração pelos vereadores ao estabelecerem quanto prefeitos e vereadores ganham. 

Na análise do cientista político Marco Rossi, a política se faz em três esferas: dinheiro, propaganda e influência. “A política brasileira é, por definição, um jogo de interesses entre elites. A formação política do nosso país é feita pela substituição de elites no poder, porque são elas que disputam os cargos, e não a população como um todo”, explica.

 

Cifras dos prefeitos e lobby político: uma relação simbiótica

No caso do lobby em torno da determinação do salário dos prefeitos, prevalece a influência do político eleito a chefe do Executivo municipal entre os vereadores da cidade. Porém, na análise do economista Daniel Poit, o cálculo da remuneração dos prefeitos deveria se basear apenas em indicadores econômicos urbanos, como o número de habitantes, a densidade populacional e o Produto Interno Bruto (PIB) da cidade.

Já para o diretor-executivo da organização Transparência Brasil, Cláudio Abramo, o salário dos prefeitos não segue uma fórmula matemática e, portanto, não deve ter relação com o PIB das cidades. “Uma cidade pobre, às vezes, precisa de uma gestão mais competente e, para melhorar o PIB da cidade, ele não aceitaria um salário menor. Então o cálculo dos salários dos prefeitos não é uma questão de matemática, do contrário os prefeitos das cidades que mais precisam de inovação e trabalho receberiam menos do que cidades com mais infraestrutura e qualidade de vida”, explica. 

Considerando a disparidade entre o número de habitantes, o PIB per capita dos municípios e o salário dos prefeitos, o cientista político da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rodrigo Stumpf Gonzalez, a política brasileira é, em geral, regida por ilusões, e não por indicadores econômicos. “No fundo, a política brasileira continua sendo regida por um princípio que envolveu escândalo de um ex-ministro da Fazenda, chamado Rubens Ricupero, em uma entrevista na tv, quando ele, achando que estava fora do ar, inadvertidamente disse ‘o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde’. O que ele não sabia é que, para o interior do país, as transmissões por parabólica não entravam na interrupção da propaganda, e ele fez esse comentário para a apresentadora do programa sem saber que estava sendo transmitido”, explica Gonzalez.

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