Cadeia de Rio Branco do Sul é capacitada para receber presos LGBTs

por Isadora Picasky Deip
Cadeia de Rio Branco do Sul é capacitada para receber presos LGBTs

Área de penitenciária de Rio Branco do Sul ajuda a evitar casos de violência sexual, mas é preciso acompanhamento psicológico     

Por Isadora Deip, Nathalia Brum e Sthefanny Gazarra

Após uma série de reivindicações de grupos que atuam na luta por direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, o governo paranaense passou a transferir presidiários membros da comunidade LGBT para uma ala própria na cadeia pública feminina de Rio Branco do Sul, na Região Metropolitana de Curitiba. A realocação teve início em junho de 2019. 

Até então, a única cela do estado para detentos LGBTs era na Casa de Custódia de São José dos Pinhais, como apontou um levantamento divulgado pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos no dia 5 de fevereiro. A militante Rafaelly Wiest, diretora de informação do Grupo Dignidade – entidade que luta pelos direitos de pessoas fora dos padrões da cis-heteronormatividade -, explica que a cela de  São José dos Pinhais não era exclusiva. “As detentas trans, por exemplo, ficavam em um dos quatro pavilhões, em um que o diretor do presídio conseguiu negociar com os detentos para que elas pudessem ficar”. Com a gestão do governador Ratinho, a casa de custódia em Rio Branco foi reformada e uma das alas ficou para pessoas gays, lésbicas e trans.

Para serem encaminhados para a ala exclusiva, os presos precisam se auto declarar como LGBTs. Rafaelly conta que essas pessoas, quando detidas, passam por uma triagem e após interrogatório decidem se preferem ser encaminhadas. Entretanto, a falta de informação e conhecimento sobre essa possibilidade dificulta a decisão. “Por falta de informação elas ficam confusas, é aí que entra o papel do Dignidade e do Transgrupo.” Esses grupos auxiliam ao mostrar a importância desses espaços por questão, principalmente, de segurança. Isso porque os relatos de extorsão e abuso sexual são muito grandes no sistema do Paraná.

O psicólogo clínico Luciano Trindade acredita que, dado o ambiente violento que é o cárcere, garantir o direito de pessoas LGBTs de permanecerem em alas específicas é um meio para promoção de expressão de sua sexualidade e identidade de gênero, da forma como cada indivíduo se sente confortável. “Essas alas específicas contribuem também para a redução dos casos de violência física e sexual, comum aos ambientes penitenciários.

No entanto, Luciano diz que apesar da ala específica ser uma medida que pode contribuir para a saúde mental, o cuidado e atenção integral às demandas de saúde e seguridade são indissociáveis para o bem-estar biopsicossocial. Ele também explica que ao passarem por situações de violência física e psicológica, seja por parte de outras pessoas em privação ou pelos agentes do Estado, os LGBTs poderão ter maiores dificuldades para a ressocialização. “Durante o processo de privação de liberdade, essas pessoas não possuem o acompanhamento psicossocial adequado.”

Experiência

De acordo com um ex-presidiário que optou por não se identificar, a existência de celas específicas e condições para pessoas LGBTs é fundamental. “Dentro do presídio, o pessoal LGBT é considerado um lixo da margem da sociedade”. Quando questionado sobre as agressões sofridas dentro do cárcere, ele revela que o olhar dos agentes penitenciários com relação aos presos dessa comunidade é tão preconceituoso e violento quanto o dos próprios agressores. “Eles já odeiam presos. Se for homossexual, pior ainda. É o lixo do lixo”.

O ex-presidiário conta que não havia no presídio nenhum tipo de contenção da violência de cunho homofóbico. “Quando estamos lá dentro, os advogados, promotores, juízes, não estão nem aí. Eles simplesmente julgam, colocam você lá dentro, mas a vida deles está lá fora.”, explica. Ele alega que só quem está dentro sabe como é o sofrimento. Às vezes não é somente questão de agressão física, é um conjunto de agressões que podem levar até a morte, porque não há respeito algum.

Outro lado

Segundo a agente penitenciária Renata Torres, a realocação teve início em junho de 2019 e já no decorrer do ano foram observadas por ela questões que precarizam o atendimento e cuidado técnico com as presidiárias LGBTs. A falta de equipe técnica, de assistência social, pedagógica, de segurança e principalmente médica em Rio Branco do Sul é uma barreira para que seja assegurado o bem-estar de suas componentes. “Essa questão de equipes técnicas, principalmente a área da saúde é muito importante pra elas, e é muito complicado fazer o gerenciamento delas sem essas equipes próximas, como era o caso em São José.”, comenta.

Luta de grupos LGBTs conquistou maior flexibilidade nas penitenciárias

Rafaelly Wiest relata que é impensável em qualquer lugar do Brasil regalias como roupas femininas em um presídio masculino. No entanto, o grupo Dignidade conversou com o diretor do presídio e com a administração penitenciária e foi liberado, na Casa de Custódia de São José dos Pinhais, o uso dessas roupas com algumas ressalvas. Eram preciso que as vestes fossem de cores neutras e claras, evitando decotes e saltos. Itens como pinças, maquiagem e perfume também devem seguir um padrão e serem portados em quantidades pequenas, para não virarem moeda de troca para drogas ou outras regalias.

De acordo com Rafaelly, o foco principal da luta do grupo Dignidade tem sido o atendimento clínico, psicológico e psiquiátrico nas cadeias. Segundo ela além de serem tratadas pelo pronome errado e pelo nome civil, as presas trans sofrem com a questão da hormonoterapia que, por ser um tratamento contínuo, precisa de acompanhamento médico. “Mesmo havendo um protocolo simples a ser seguido por esses profissionais, muitos alegam não serem habilitados ao processo por não ser a especialidade deles, mas na realidade, é falta de vontade”, explica Rafaelly. 

Conferia galeria de fotos da sede do grupo Dignidade:

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A diretora de informação do Grupo Dignidade, Rafaelly Wiest, fala sobre o processo penitenciário para pessoas LGBTs: