Coronavírus intensifica xenofobia e racismo contra chineses

por Allanis Bahr Menuci
Coronavírus intensifica xenofobia e racismo contra chineses

Em meio à pandemia, chineses e descendentes sofrem consequências das fake news sobre o novo coronavírus

Por: Allanis Menuci e Guilherme Araki / Foto: Allanis Menuci

 A estudante de ensino médio de Curitiba Júlia Farto testemunhou, no início de março, um ato de evidente preconceito racial em frente à instituição onde estuda. Segundo ela, uma adolescente asiática – ao tossir – foi verbalmente agredida por um homem que passava na rua. O sujeito chamou a atenção da menina, referindo-se à imigração chinesa no Brasil, alegando que os culpados pela pandemia eram os chineses. Por meio do Twitter, Laura Silva* contou que, ao ir ao supermercado e se aproximar de uma criança, a mãe alertou em voz alta: “Não pode ficar perto desse tipo de gente chinesa”, evidenciando racismo contra a população asiática, principalmente em tempos de pandemia e de news sobre a Covid-19.

O Coronavírus – agente causador da Covid-19 – foi identificado infectando pessoas em dezembro de 2019 na província de Wuhan, na China. O vírus, o qual possui uma taxa infecciosa muito elevada, chegou à Europa em janeiro de 2020 e, por ser facilmente confundido com uma gripe, acabou sendo transmitido pelos viajantes internacionais que muitas vezes desconheciam da sua contaminação e da gravidade da situação, bem como seu estado de saúde.

Por outro lado, o Brasil – que atualmente conta com mais de 1 milhão pessoas contaminadas – também está passando por diversos casos deste preconceito racial com a chegada do vírus no país e a forte disseminação de fake news nas principais redes sociais e entre questões políticas. Contabilizando mais de 60 mil mortes e, em média, 8.000 novos casos de Covid-19 diariamente, o país enfrenta uma disputa entre a luta contra o vírus, o preconceito com a etnia chinesa e as questões políticas, onde alguns profissionais também tomaram atitudes racistas quanto aos chineses naturalizados no Brasil.

No dia 18 de março, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL), filho do presidente Jair Bolsonaro, compartilhou em seu twitter postagens culpando o governo chinês pela pandemia. O ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, também usou as redes sociais para ofender os chineses, ridicularizando o sotaque e sugerindo que a China, de propósito, poderia se fortalecer com a crise do coronavírus. Após repercussão, o então ministro apagou a publicação, mas foi intimado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a prestar depoimento pela acusação de crime de racismo contra os chineses.

Como objetos de violência entre as principais redes sociais, xingamentos e preconceitos com a própria cultura e com costumes chineses foram usados contra esta etnia. Alguns termos como “Sopa de morcego” e “Vírus chinês” foram e ainda são muito vistos em redes sociais como Twitter, 4Chan e Instagram, nos quais pessoas adotam a nacionalidade chinesa para o vírus, bem como acabam identificando os chineses e descendentes como “culpados” pela pandemia, apesar de não ser verdade. Em relação ao termo  “Vírus Chinês”, uma pesquisa realizada por Darren Linvill, da Universidade de Clemson, nos Estados Unidos, expôs a situação e o uso da hashtag #ChineseVirus em redes sociais como o Twitter.

O estudante de jornalismo da PUCPR e pesquisador sobre o tema “Fake news e os chineses durante a pandemia” Bruno Talevi, comentou que a maioria dessas notícias falsas tem o teor conspiratório e o objetivo de gerar medo nas pessoas, além de, é claro, possuir uma característica racista e xenofóbica. Além disso, Talevi relatou que a maior parte das fake news que ele percebeu ao decorrer de sua pesquisa foi sobre os hábitos alimentares dos chineses – como o rumor da sopa de morcego e da serpente contaminada -, os quais são considerados incomuns para o lado ocidental do mundo devido à uma questão cultural. Ele percebeu também que muitas notícias falsas usavam fotos de locais e situações nos Estados Unidos, justificando serem chineses e tentando colocar a culpa na etnia e no país – ou seja – notícias sendo manipuladas. 

Covid-19 e o estímulo de Donald Trump ao preconceito racial chinês

De acordo com o estudo, esse termo ganhou forças após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump  postá-la em seu perfil. Após esse ato preconceituoso, Linvill identificou que a hashtag fora usada mais de 130 mil vezes um dia após o comentário do presidente. Ainda, por mais que aplicativos como Twitter tenham políticas contra expressão de ódio, é visível o preconceito contra os chineses, totalmente baseado em notícias falsas que circulam ao redor do mundo.

Os Estados Unidos, país que atualmente conta com mais de 1,5 milhão de infectados pela Covid-19, contabilizaram mais de 1.100 denúncias de preconceito racial contra os chineses e asiáticos até abril – dados do Asian Pacific Policy and Planning Council (A3PCON) e Chinese for Affirmative Action. Ao escutar Mark Lee*, uma vítima de racismo e xenofobia no estado de Nova York – grande epicentro atual do Coronavírus nos Estados Unidos e estado com maior população chinesa do país – o indivíduo comentou que sofreu e ainda sofre preconceito por ter características chinesas.

Por mais que o estabelecimento onde ele trabalha esteja tomando medidas preventivas em relação à doença, a vítima explicou que a maior parte do racismo sofrido atualmente está em seu ambiente de trabalho, onde alguns funcionários evitam ao máximo ficar perto e até mesmo fregueses se recusam a ser atendidos por ele. “Os asiáticos que não sabem falar inglês sofrem muito mais discriminação por tentar tirar proveito disso. Porque, quem sabe falar, inglês consegue se defender dessas situações”, relatou. 

MIGRAÇÃO E DIÁSPORA CHINESA

A explosão da imigração chinesa para todo o planeta deu-se especialmente em virtude da Guerra do Ópio (1840-1860), dando dimensão mundial, e não mais concentrada apenas nos países do Sudeste Asiático. Na sequência histórica do processo, os imigrantes de Ciudad del Este podem ser classificados como consequência das ondas recentes da diáspora, que surgiram após a primeira metade do século XX, rumo aos “países novos” e à Europa. Os grupos são formados principalmente por refugiados de guerra ou pessoas atingidas pela crise interna vivida na China desde a década de 70.

Segundo o antropólogo e professor da PUCPR Kauê Gruger, o principal motivo da migração chinesa é a busca por melhores condições de vida e o desejo de liberdade, justificado pelo autoritarismo governamental chinês. Além disso, o setor terciário (comércio) é o mais procurado pelos imigrantes chineses, os quais conseguem oferecer produtos de qualidade com preços abaixo dos valores nacionais devido ao baixo custo de mão de obra na China. Assim, desde a Segunda Guerra Mundial, os imigrantes chineses buscam ter mais autonomia e liberdade em países capitalistas, levando consigo seus familiares e o comércio ao redor do mundo.

O vídeo da rede chinesa de comunicação South China Morning Post mostra como a comunidade chinesa da Grã-Bretanha está enfrentando a xenofobia em decorrência da pandemia: