Cortes de verba na educação pública devem inviabilizar a atividade das instituições de ensino

por Ex-alunos
Cortes de verba na educação pública devem inviabilizar a atividade das instituições de ensino

A Universidade Federal do Paraná declarou que fechará as portas em agosto se bloqueio for mantido

Por Ana Cláudia Iamaciro, Carla Tortato e Gustavo Ferraz

No dia 30 de abril deste ano, o presidente Jair Bolsonaro anunciou o corte de 30% no orçamento das universidades federais. A justificativa era de que o dinheiro arrecadado seria investido na educação básica do país. Quase que de imediato, as instituições públicas de ensino se prontificaram em declarar que a redução de verbas inviabilizaria a atividade educacional nesses locais.

Por isso, estudantes, professores e parte da sociedade se mobilizaram e realizaram manifestações nos dias 8, 15 e 30 de maio e 14 de junho contra o corte de verbas, que em Curitiba, ocorreu na Praça Santos Andrade, no Centro. Os que são a favor do presidente também se organizaram em um ato pró-Bolsonaro no dia 26 de maio.

Para o presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas do Paraná (Upes-PR), Wellington Tiago de Lima, as manifestações têm conseguido responder ao governo federal e à sociedade de forma positiva, sem nenhum delito ou problema com a polícia. Ele contou que quem organiza o movimento são os próprios estudantes que fazem uma assembleia com várias escolas, instituições e universidades para deliberar a paralisação.

Lima explica que o objetivo dos protestos foi responder aos cortes nas instituições, que no Paraná atingem a Universidade Federal do Paraná ( UFPR), a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), os Institutos Federais (IFPR), a Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) e a Universidade da Fronteira Sul (UFFS).

De acordo com o professor e diretor do setor de Ciências Biológicas da UFPR, Edivaldo Trindade, ainda não está claro para a sociedade os efeitos do corte. Segundo o mesmo, o anúncio do contingenciamento foi feito com o semestre letivo em andamento, o que fez com que a universidade decidisse manter as aulas normalmente. Isso, explica Trindade, faz com que a UFPR tenha que cortar 60% do seu orçamento para o próximo semestre.

O professor relata também que o maior gasto das universidades públicas é com a terceirização, pois os sistemas de limpeza, manutenção e vigilância da instituição são feitos por empresas privadas. De acordo com Trindade, a universidade foi crescendo pactuada com o governo anterior, porém, o orçamento foi reduzido a partir de 2016 e em 2019, houve esse drástico impacto.

Ele explica que os servidores públicos ainda terão seus salários garantidos, por ser uma despesa obrigatória; no entanto, os serviços terceirizados serão cortados e a universidade ficará sem manutenção, o que vai inviabilizar o seu funcionamento. “É isso que tem que estar claro para a sociedade, o corte é pequeno em relação ao total, mas ele inviabiliza o funcionamento. A gente [servidor público] vai ter que estar aqui com a porta fechada. Isso que é o gasto burro do dinheiro público”.

O pró-reitor de Graduação e Educação Profissional da UFPR, Eduardo Salles de Oliveira Barra, disse que as universidades públicas têm grande importância para a formação de professores. “Nós universalizamos a educação básica. Para isso, nós precisamos formar professores. Foram as universidades que se ocuparam disso, por isso, tiveram uma expansão tão grande”, afirma o pró-reitor. Ele contou ainda que os professores já não estão conseguindo se deslocar entre os campus de outras cidades para fazerem suas atividades acadêmicas e administrativas.

Salles de Oliveira Barra disse que a medida fez com que os estudantes olhassem para a universidade de outra maneira, não apenas com o objetivo profissional ou pessoal, mas como algo que pertence ao país como um todo. “A universidade é muito mais do que um diploma ao final do curso. Ela é um centro irradiador do conhecimento, que o aperfeiçoa, que pensa os projetos que o país precisa desenvolver. Essas coisas estão hoje ameaçadas”.

Para a estudante Laura Limongi Figueiredo, que entrou no início deste ano na UFPR, o clima dentro da universidade é de tristeza por saber que a instituição está com os dias contados. “Principalmente a gente que é calouro, entramos agora na universidade e já temos essa perspectiva de que talvez ela acabe em setembro”.

A estudante de zootecnia da UFPR Kerollaine Schwinn considera importante que os alunos se unam contra o desmonte da universidade pública, que já ocorria em outros governos, mas agora está acontecendo de forma mais descarada. Porém, apesar das recentes manifestações contra o corte de verbas,  ela conta que no setor em que estuda, há pessoas que são a favor do governo Bolsonaro.

Para o professor de química do Instituto Federal do Paraná (IFPR) Marcos Barros a população precisa se mobilizar contra a forma como a educação está sendo tratada. Ele afirma que enquanto professor tem ainda que lidar com a proibição de se manifestar em relação ao momento político. “Fala-se que não existe ditadura, mas existe uma ditadura silenciosa que o professor não pode se manifestar, expor sua religião ou expor a sua convicção política”, diz Barros.

O professor e presidente da Associação dos Professores da UFPR, Paulo Vieira Neto, afirma que as universidades públicas fazem parte do sistema universitário como um todo. Ele relata que não há disputa entre as instituições públicas e privadas ou uma tentativa de destruição da primeira em favorecimento à segunda. Isso porque, conta Viera Neto, parte da demanda de mão de obra de educadores das universidades particulares e do ensino básico vem das instituições públicas. Ademais, o ensino privado também será atingido com o corte do financiamento estudantil, completa o professor.

O candidato ao governo do Paraná Dr Rosinha (PT), que participou da manifestação contra o corte de verbas, afirma que a juventude está aguerrida na defesa da educação pública. Isso, de acordo com o mesmo, tem uma simbologia grande porque há um processo de destruição dos direitos dos trabalhadores. “É importante porque nós, os mais velhos, já fazemos luta há muito tempo e agora deve ter muitos meninos e meninas que devem ser a primeira ou a segunda vez que estão saindo para uma grande manifestação”.

De acordo com o cientista político Rafael Sampaio, desde 2013 os brasileiros estão mais dispostos a participarem de manifestações e irem para as ruas. Para ele, o corte de verbas foi um “tiro no pé” para o governo, pois os professores são formadores de opinião pública e tem centralidade na formação intelectual. “Se fosse ter corte, teria que ser de uma maneira mais profissional”. Sampaio afirma que com esse bloqueio de verbas, o governo acaba elegendo a universidade pública, as ciências de tecnologia e o ensino público como inimigos. “Acho que foi um ataque tão deliberado, tão irracional, tão forte e repentino que mesmo aqueles grupos da universidade que são mais resistentes a esses tipos de movimento, se sentiram impelidos a se movimentar”.

Ao todo, são 69 universidades e 38 institutos federais que serão afetados no Brasil. A UFPR já declarou em nota oficial no dia 31 de maio que o funcionamento dos restaurantes universitários está suspenso a partir do mês de julho deste ano.

O outro lado

Um integrante do grupo “Conservadores UFPR” no Facebook, que preferiu não ser identificado, explicita que é contra os protestos e chama o ato de “uma grande e ineficaz histeria coletiva”. Ele argumenta que no ano de 2015, o governo fez corte de 30% da verba das universidades federais. Os estudantes fizeram ocupação e manifestações, e a mídia e os reitores divulgaram notas ao público afirmando que as universidades ficariam sem água e luz elétrica e fechariam as portas em poucos meses, por conta do corte. “O resultado foi que o governo não suspendeu o corte, ele foi efetuado e sabemos hoje, quatro anos depois, que nenhuma dessas instituições foi fechada”.

Ele ainda explica que alguns dos membros do grupo defendem o contingenciamento para evitar um novo confisco da poupança ou agravar a crise econômica e previdenciária atual, enquanto outros acreditam que o governo poderia cortar verbas de outras áreas e finaliza dizendo que o enfoque do grupo é moral e não econômico e que todos os integrantes são contrários às manifestações.