Desigualdade de gênero subvaloriza trabalho de mulheres na ciência

por Heloise Claumann
Desigualdade de gênero subvaloriza trabalho de mulheres na ciência

Além das poucas oportunidades para o público feminino nesse setor, assédio e preconceito são problemas frequentes

Por Heloise Claumann e Lorena Domingues | Foto: Projeto Futuras Cientistas

A desigualdade de gênero no Brasil presente no Brasil também se manifesta na ciência, principalmente na área de Exatas. Além das poucas oportunidades para o público feminino nesse setor, assédio e preconceito são problemas que aparecem em muitos relatos. Para incentivar e apoiar mulheres nesse meio, neste mês o projeto Futuras Cientistas abriu inscrições para o programa de inserção científica do próximo ano voltado para mulheres.

Mesmo as as mulheres são maioria na educação superior, com cerca de 78% de presença, elas respondem por apenas 14% da participação no setor de tecnologia e ciências, de acordo com Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep). O cenário pode ser observado no cotidiano, como relata a responsável pelo projeto Futuras Cientista no estado do Paraná, Mara Fernanda Parisoto, que, em seu mestrado e doutorado em Física, foi a única mulher na sala de aula.

Os dados mostram disparidade entre homens e mulheres que se especializam na área, e a porcentagem diminui ainda mais quando trata-se do mercado de trabalho. No setor da tecnologia e matemática, somente 25% dos profissionais atuantes são mulheres, segundo o Centro de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Sociedade (IPEA).

A desigualdade de gênero, junto com a falta de investimentos em projetos na área das ciências para a inclusão das mulheres, contribui para o preconceito com esse público. Cerca de 76% de um conjunto de mil mulheres entrevistadas relataram sofrer algum tipo de violência ou assédio em seus empregos, de acordo com dados do Instituto Patrícia Galvão.

A jovem Stephanie relata que, no curso de robótica, ela e as amigas eram frequentemente tratadas como incapazes e excluídas pelos colegas nos projetos. Depois de participar do programa Futuras Cientistas, no ano passado, ela se sentiu mais segura e confiante para seguir na área.

A professora e coordenadora do projeto Mulheres e Meninas na Ciência, Camila Silveira, destaca que presença marcante de assédio por parte de professores e colegas homens é um aspecto perturbador que está presente em trajetórias de muitas estudantes e professoras na área.

Ela ressalta, também, que, apesar de haver mulheres ocupando importantes posições de liderança científica, existe um número alarmante de casos de opressão e violência contra elas. “A gente tinha importantes lideranças científicas e mulheres na instituição, mas a gente tinha um número muito grande de opressão e de violência”, conta Camila.

“Eu passei por situações onde eu estava ali em concorrência com colegas homens, e as perguntas para mim eram perguntas muito diferentes das que eram feitas para eles” acrescenta. Ela desta a necessidade de transformações profundas para tornar o ambiente acadêmico mais equitativo e inclusivo.

A Professora de Marlene Lins, responsável por grupos de pesquisas de meninas na área aeroespacial dos Colégios Estaduais Euzebio da Mota e Luiza Ross, diz que muitas meninas se sentem incapazes de seguir nessa área por falta de apoio e incentivo dos familiares. Marlene afirma que, além do machismo sofrido dentro da área, teve muita dificuldade em enfrentar os preconceitos enraizados dentro da própria família, que acreditava que mulheres não deviam ter ambições, principalmente na área de pesquisa científica.  “A mulher tinha que dar as aulas, ficar quieta e não se envolver em pesquisa”, relata a professora.

Projetos como os citados, além de ajudar a quebrar paradigmas enraizados na sociedade, fazem mais meninas perceberem que podem ser profissionais da área e se destacar em suas pesquisas. De acordo com o Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste (Cetene) , cerca de 70% das participantes do programa Futuras Cientista foram aprovadas em vestibulares; destas, 80% seguiram cursos no setor de ciências e tecnologias. À medida que mais mulheres ocupam cargos de destaque e fazem avanços significativos, o cenário científico se torna mais equitativo e aberto a todos os talentos.

Projeto Futuras Cientistas inicia novo projeto de inserção científica

O programa Futuras Cientistas está no segundo ano que foi implantado nacionalmente. O projeto foi criado pelo Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste (Cetene) com o objetivo de inserir alunas e professoras da rede pública de ensino na área da ciência e tecnologia. A inserção científica ocorre durante o mês de janeiro, e estudantes do 2° ano do ensino médio e professoras do ginásio da rede pública estadual podiam se inscrever até 4 setembro. O projeto é uma iniciativa para que por meio de aulas teóricas, mas, principalmente, práticas incentivam e envolvem meninas na área da tecnologia.

O programa Futuras Cientistas foi criado em 2012, mas apenas em 2022 foi implementado em todo país, com 675 vagas, no total. De acordo com Mara Parisoto, o país ainda precisa investir mais nos projetos de incentivo para mulheres e meninas nesse setor, já que muitas delas acreditam que é improvável entrar e permanecer nas universidades públicas. “ O projeto desmistifica várias idéias incorretas sobre universidades públicas. Por exemplo,: elas achavam que não era possível elas entrarem, pois acreditavam que era muito concorrido, que não teriam como se manter, não sabiam das cotas, dos grupos de pesquisa, ensino e extensão, das bolsas e auxílios”.

Participante curitibana do programa de 2022, Natasha Melo diz que não tinha interesse antes de ser apresentada ao projeto, e ainda estava receosa em participar, acreditando que haveria apenas palestras, mas se descobriu na área após participar do programa. “Meu leque de faculdades se abriu muito mais depois da experiência. Tudo lá me deixou surpresa, mas o lançamento dos foguetes foi uma coisa muito legal, que eu nunca tinha visto antes. Eu nem sabia que existiam minifoguetes”, conta Natasha.

O projeto também inclui professoras de escolas públicas que podem participar e levar o conhecimento adquirido durante a incensação científica para seus alunos.”As professoras da Educação Básica que participaram, levaram esses conteúdos para as escolas, criaram clubes de ciências, trabalharam intensamente, junto com as alunas, na propagação dos conteúdos ministrados ao longo do projeto”, diz Mara Parisoto.

Cientistas que fizeram história

Ada Lovelace (1815 – 1852) – Matemática responsável por escrever o primeiro algoritmo de uma máquina, possibilitando o desenvolvimento das tecnologias atuais.

Marie Curie (1867 – 1934) – A cientista polonesa fez grandes descobertas na área da ciência. Conquistou o Prêmio Nobel em Física em 1903 e em Química em 1911, sendo a única pessoa a receber a condecoração em duas áreas.

Emmy Noether (1882 – 1935) – A cientista polonesa foi responsável pelo “Teorema de Noether” no âmbito na Física, que foi primordial para posteriormente a descoberta da Teoria da Relatividade.

Iène Joliot-Curie (1897 – 1956) – Química que descobriu novo elemento radioativo, o isótopo de fósforo. Com a descoberta, conquistou o Prêmio Novel de Química em 1935.

Mária Telkes (1900 – 1995) – Biofísica húgaro-americana cujas descobertas foram de importância para desenvolvimento da energia solar como fonte renovável.

Gertrude Elion (1918 – 1999) – Bioquímica estadunidense responsável por desenvolver novos métodos de criação de medicamento para diversas doenças. Por suas descobertas, ganhou o Prêmio Nobel de Medicina em 1988.

Katie Bouman (1989) – Principal cientista responsável por desenvolver o algoritmo que conseguiu decodificar os dados obtidos pelo telescópio e gerar a imagem do buraco negro em 2019.

Rosalind Franklin (1920 – 1958) – Cientista que contribui para pesquisas para a compreensão do DNA, que, posteriormente ganharam o Nobel em 1962. Infelizmente, a pesquisadora não estava mais viva para ser condecorada.

Lise Meitner (1878 – 1968) – Física que desenvolveu o termo fissão nuclear ao calcular a energia liberada no fenômeno, contribuindo para o desenvolvimento da radioatividade.

Katherine Johnson (1918 – 2020) – A cientista, uma mulher negra nos Estados Unidos que enfrentou diversos preconceitos, realizou estudos matemáticos e físicos que foram primordiais para calcular a trajetória de voo, que levou o homem à Lua.