Ferro velho carrega histórias de vida

por Equipe Festival de Teatro
Ferro velho carrega histórias de vida

Reciclagem é fonte de renda para algumas pessoas e distração para outras

Por: Anelise Wickert

Inaugurado em 2002 no bairro Boa Vista, em Curitiba, ‘ o ferro velho do Waldir’ ou oficialmente ‘Central de Reciclagens Boa Vista Ltda.’ já marcou território no bairro. O comércio virou ponto de referência para muitos moradores. Localizado na Rua Santo Celestino Coleto, 1164, ao lado da sub-sede do Corinthians, a empresa também oferece oportunidades de emprego para pessoas em situação de rua, ex-presidiários e pessoas que enfrentam problemas com vícios.

Parte I: A reciclagem

Waldir Inácio Wickert, autônomo e proprietário de um ferro velho, a ideia (frase estranha) de abrir uma empresa de materiais recicláveis veio de um momento de necessidade. “Para mim surgiu como uma oportunidade de emprego. Na época eu estava desempregado e então meu vizinho perguntou porque eu não abria um ferro velho. Assim eu fiz”.

Wickert conta que os primeiros anos foram os mais difíceis: “no início eu não sabia direito como lidar com a reciclagem. Eu não sabia a diferença entre os papeis ou que a PET branca era vendida por um preço e a verde era vendida por outro”. Em 16 anos, a empresa comercializou seis milhões de toneladas de materiais recicláveis. (segundo quem?)

O empresário comenta sobre seu processo de produção dos fardos. “A latinha e o plástico são prensados e depois amarrados. Já o papelão é colocado em uma caçamba, porque vem em grandes quantidades. A sucata e o ferro como tem muito volume, também são colocados em caçambas que são levadas para a indústria”. As caçambas saem pelo menos uma vez por semana e comportam aproximadamente quatro toneladas de materiais.

Depois que os fardos são montados, eles voltam para a indústria que os reutiliza: “A PET, por exemplo, ela é comprada no mercado, trazida por um reciclador, comprada por mim. Aqui ela é limpa, prensada e enfardada, depois é vendida para uma empresa maior e que só trabalha com isso, lá é moída e transformada novamente em garrafa, que é vendida para as empresas de bebidas ou produtos de limpeza. E assim o ciclo começa novamente”, explica o autônomo.

Wickert também conta que de acordo com o seu comprador de latinhas, a empresa GSM, o Brasil recicla aproximadamente 95% das latinhas, sendo o segundo maior reciclador do material e perdendo apenas para o Japão. Embora o percentual seja positivo, o empresário ainda acha que o país pode mais: “só a latinha que tem um número alto de reciclagem. O plástico e o papelão são muito pouco valorizados aqui. Precisamos reciclar muito mais, porque o meio ambiente não aguenta todo o lixo que produzimos”.

Para o futuro, ele faz planos: “quando me aposentar vou abrir um depósito de materiais recicláveis, com muitos maquinários e ferramentas. Falando sério, eu espero que a reciclagem cresça muito nos próximos 10 anos, cada vez mais pessoas vão percebendo a importância dos 3Rs: reduzir, reciclar e reutilizar”. O empresário diz que está satisfeito com sua empresa e com seus colaboradores: “hoje, eu sou um homem realizado. Não quero mais nada da vida. Se tivesse que voltar no tempo, ainda sim abriria o ferro velho e continuaria trabalhando com meus recicladores”.

Segundo o colaborador Sérgio Alexandre de Ré, a reciclagem é uma forma de se sustentar: “reciclar para mim é minha vida, é meu ganha pão. Eu fiz disso minha profissão e adoro. Converso, conheço os lugares, ando por aí. Eu sou feliz desse jeito, tenho tudo que quero. Aqui eu sou um homem realizado”. De Ré trabalha com reciclagem há 14 anos.

Para Lauro José Ososki, aposentado e colaborador do ferro velho, reciclagem é uma forma de reaproveitamento. “Eu ajudo porque tudo aqui é extraordinário, é antigo, eu gosto de coisa velha. Trabalho aqui cinco vezes por semana, venho de segunda à sexta. Tem dias que venho duas vezes”, relata ele.

O aposentado Ari, que pediu para apenas colocar o nome do meio por receio da opinião do filho (frase estranha). O filho dele é um advogado conhecido e não gosta que o pai trabalhe com reciclagem. “Meu filho briga comigo porque eu venho aqui e mexo com o que ele acha que é lixo. Ele não se conscientizou ainda que podemos salvar a vida da(?) natureza. Eu gosto de trabalhar com isso. Sou aposentado, tenho tempo e vejo como uma distração boa para a minha idade”.

Ari conta que reciclagem é uma necessidade que o ser humano tem. “Nós precisamos proteger o meio ambiente. Devemos separar tudo. Já viajei para vários países e na Alemanha não se coloca para fora de casa o reciclado. Se guarda em sacolas plásticas e quando se vai ao supermercado, tem uma máquina que recebe esses resíduos e devolvem (quem?) em dinheiro”.

Ele explica que em outros países a conscientização em relação ao meio ambiente é melhor: “na Áustria e na Alemanha, se você jogar um lixinho na rua, o guarda já vem e te multa. É uma medida para a melhoria de qualidade de vida. Aqui no Brasil, as pessoas jogam o que quiser e não acontece nada. É uma pena que tenhamos uma mentalidade tão atrasada”.

Para o aposentado, os seres humanos deveriam se inspirar nos insetos para construírem uma sociedade melhor: “é um trabalho de formiguinha, se cada um fizer sua parte, o formigueiro não morre. Nós, homens, devíamos valorizar mais a natureza. Aprender com ela. Se todos reciclarmos seu próprio lixo e o descartamo da maneira correta, além de ajudar o meio ambiente, também estaremos ajudando o trabalho dos recicladores”.

A vendedora autônoma Norli Leal, recicla por hobbie. Ela conta que reciclagem é a compra e a revenda de coisas de utilidades. De acordo com a comerciante é possível fazer bons aproveitamentos se a pessoa foi criativa. Norli se diverte com a reciclagem há pelo menos cinco anos e ela afirma que às vezes o ato de reciclar até complementa sua renda. Ela recicla toda semana no ferro velho.

Ilson de Oliveira, o ‘garoto da prensa’ como é conhecido dentro da empresa (qual?), é responsável pela operação do maquinário que modela os fardos de latinha e plástico. “Eu e divirto muito (?) trabalhando meio período aqui. Sou muito feliz ajudando o meio ambiente e convivendo com esses caras. Aprendi muito”. Oliveira trabalha no ferro velho há 15 anos e ainda faz planos para o futuro: “quando me aposentar, daqui uns anos, quero continuar operando as máquinas e vindo aqui”.

Parte II: As pessoas

Link (Sonora 02 – Waldir Inácio Wickert – recicladores) https://drive.google.com/open?id=1js1fKZmCChhcqx3N3Guew9xU3a5JpAIt

O empresário Waldir Wickert conta que quando decidiu abrir um ferro velho, primeiro foi visitar outras empresas de materiais recicláveis. “Eu fui em umas 10 firmas. Só encontrei lixo, tinha uns dois que ofereciam algumas condições mais dignas, o resto era muito desumano. Os recicladores sempre estavam muito sujos. Ao montar o espaço do meu negócio, depois da prensa e da balança, tive a ideia de instalar um chuveiro elétrico para eles poderem tomar banho e trocarem de roupa, depois do trabalho”.

Ele continua dizendo que alguns meses depois, percebeu que os recicladores vinham trabalhar com fome: “Os caras chegavam às 7h da manhã e saíam para a rua sem comer nada. Falei com alguns deles e tive a ideia de trazer uma garrafa térmica com café. E faço isso até hoje. Todos os dias trago café para eles tomarem, às vezes, até compro umas bolachinhas. A vizinha também traz pão ou bolo de vez em quando. Tem dias que até comida no almoço eles ganham”.

Wickert explica que a quantidade de reciclagem recolhida é variável:  “no início do mês e em épocas de festas como páscoa e natal, os colaboradores que saem para as ruas conseguem tirar bem. Mas têm meses que são bem fracos”. Eles recebem por diária e fazem entre 4 a 9 horas de trabalho por dia. Alguns inclusive trabalham nos domingos e feriados, porque são os dias que mais têm latinhas e papelão.

Todos os anos, no mês de dezembro, é feito um almoço especialmente para os recicladores. Todos os colaboradores do ferro velho são convidados e têm autorização para trazerem quem quiserem. O cardápio do buffet é: risoto, costela, linguiça, galeto, pão, saladas e farofa. Entre as principais atrações deste dia estão: a presença do Papai Noel, música ao vivo, cama-elástica para as crianças brincarem, um bolo e um pinheirinho feito de materiais recicláveis. “Eles merecem e são dignos desta festa”, conta  Wickert.

Link (sonora – Waldir Inácio Wickert – papai Noel) https://drive.google.com/open?id=1tq0d05kfzwwo8D5tRxNmpqX8cGNKRqga

Hoje, Wickert trabalha aproximadamente com 20 famílias. Não são chamados de catadores de papel, porque na visão do empresário, “quem cata é máquina”. Segundo o empresário, eles nunca se sentiram ofendidos, mas por também serem humanos merecem serem tradados com respeito: “Gosto de chamá-los de colaboradores ou recicladores. E também não são ‘moradores de rua’, porque a rua não pode ser chamada de habitação. Eles são pessoas em situação de rua. Isso me faz pensar que um dia essa realidade pode ser invertida”.

Para o reciclador Gérson Brás dos Santos, reciclagem é separar e escolher. “Eu faço isso com plástico, papelão, alumínio, metal e ferro.  Às vezes eu trabalho com madeira também. Geralmente dá R$ 30,00 ou R$ 40,00 por viagem”. Em relação ao prazer pela profissão, ele comenta: “eu gosto do que eu faço e gosto desse depósito aqui também. É o lugar onde me trataram melhor, nos outros eu fui muito maltratado”. Santos é colaborador há pelo menos 10 anos.

Tantos outros ficaram de fora: Luciana dos Santos, crescida dentro de um carrinho de reciclagem. Reginaldo Cubas, o mais novo na reciclagem, trabalhando nesse ramo há um ano. Petrúcio dos Santos Silva, Patrick Martins da Costa, Aloir Fonseca dos Santos, Arlindo Oswaldo de Vitória, Cirlei dos Santos e seu esposo Sidney, Fábio Júnior dos Santos Osório, dona Nice e sua filha Vanessa.

Todos com nomes, sobrenomes, famílias, histórias, conforme Wickert. “Eles têm problemas, passam por preconceitos. Muitas pessoas associam a figura do carrinho á criminoso e pobre. Bem, eles também precisam de lugar na sociedade”, conta o empresário. Com o tempo eles começam a passar despercebidos aos cenários urbanos. É na indiferença que reside o perigo do esquecimento.

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