Frente combate rivais e dificuldades no caminho para conquistar Tarifa Zero em Curitiba

por Álefe Nícolas dos Santos de Carvalho
Frente combate rivais e dificuldades no caminho para conquistar Tarifa Zero em Curitiba

Movimento sofre com esvaziamento da participação popular e boicote de organizações ‘progressistas’

Por: Álefe Nícolas dos Santos de Carvalho

É  28 de fevereiro de 2023.  A Prefeitura Municipal de Curitiba, em conjunto com a URBS, anuncia um aumento de R$ 0,50 na tarifa de ônibus. O preço passa a ser R$ 6, consagrando a cidade como a capital com a passagem mais cara do país. Começa a surgir, no seio dos movimentos sociais da capital paranaense, a articulação que deu origem à Frente Pela Tarifa Zero – um movimento popular formado por militantes de diversas vertentes da esquerda que luta pelo fim do espólio das empresas de transporte ao povo curitibano. Todavia, essa Frente seria boicotada até mesmo por membros do mesmo campo ideológico.

Ana Clara Cabral Nunes, 20, carrega uma experiência riquíssima de luta em movimentos estudantis e populares. Ela atua na construção de coletivos como o Movimento Trabalhadores por Direitos, o Despejo Zero e o  Centro de Formação Urbano Rural Irmã Araújo (Cefuria). Anarquista, brinca que se tornou uma conciliadora na Frente Pela Tarifa Zero. Para garantir o avanço da pauta, se viu presente em espaços repletos dos engravatados que seu coração anarquista repudia. Ruiva, baixinha e magra, Ana Clara adquire uma grandeza no discurso. Logo nos primeiros minutos que a conheci, já me arrancou uma gargalhada – um colega meu, membro de uma organização marxista leninista, respondeu-a chamando-a de “camarada”. Prontamente, ela interrompeu: “Camarada não! Sou companheira”, rejeitando o termo afetuoso usado majoritariamente pelos comunistas para tratar-se entre si.

A companheira Ana Clara esteve presente em todos os momentos da Frente. Envolveu-se no movimento de maneira independente. Logo após o anúncio do aumento da tarifa, foi marcada uma plenária para debater a luta contra o abuso econômico dos “mafiosos dos transportes” – como é conhecida a elite que controla o transporte público em Curitiba, e ela resolveu comparecer. 

No primeiro momento, relata uma enorme disposição dos membros da Frente. Várias organizações do campo progressista se uniram para construir a frente – de social-democratas (reformistas convictos) à marxistas-leninistas (revolucionários incorrigíveis, antagonistas naturais dos sociais-democratas). Grande parte dos integrantes eram oriundos dos movimentos estudantis. Ela destaca que os estudantes têm essa característica de pioneirismo, de colocar-se à frente das lutas. No caso da Frente, porém, esse pioneirismo não prevaleceu.

Na primeira reunião da Frente foi marcada uma manifestação, que ocorreu no dia 10 de março. Centenas de manifestantes acompanharam o trajeto do protesto. Já nesse ato surgiram rachaduras entre as organizações que compunham a Frente.  Um dos grupos que, durante a primeira plenária compareceu em peso e votou unanimemente pela aprovação da rota sugerida, quebrou o acordo. Na metade do caminho, reuniram-se com “meia dúzia dos integrantes da manifestação e decidiram que não continuariam no trajeto combinado”, diz Ana Clara.

Esse grupo que se recusou a seguir o que foi determinado na reunião é a “juventude” (como é conhecida a ala jovem dos partidos políticos, normalmente responsável por construir as lutas dentro do movimento estudantil) de um grande partido de esquerda. Essa juventude integra majoritariamente a atual diretoria de uma importante instituição paranaense: a entidade que deveria representar todos os estudantes do estado.

Para a maioria dos integrantes da Frente, a atitude é “coisa de pelego”, termo utilizado para descrever líderes de movimentos populares que estão à reboque do Estado burguês. Ao recusar-se a prosseguir com o protesto, os líderes daquela organização estariam colocando em cheque a segurança dos manifestantes e a credibilidade da Frente, assim como abrindo mão da combatividade ao sistema capitalista, fundamental ponto de convergência entre as correntes que compõem a Frente, e estariam demonstrando mansidão perante o aparato repressor do Estado. A recusa da combatividade pelos líderes desse movimento foi considerada um absurdo por membros da Frente, como vários deles relataram à reportagem.

Na reunião que seguiu a realização dessa primeira manifestação, os líderes dessa entidade foram duramente criticados pelos colegas. Mas Ana Clara comenta que as críticas não surtiram efeito. Às vésperas da segunda manifestação, marcada na reunião na qual ocorreram as críticas, eles teriam utilizado o perfil oficial da entidade representativa dos estudantes do Paraná para divulgar uma data, horário e local incorreto para o ato, conta Ana Clara. Para ela, uma flagrante tentativa de boicotar a atuação da Frente. Quando questionados, afirmaram que as informações enganosas teriam sido veiculadas “sem querer”. “Como é que você faz uma postagem com informações erradas sem querer?”, ironiza Ana Clara. Procurados pela reportagem, o movimento citado não respondeu às tentativas de contato. A entidade cuja direção ele integra respondeu que se manifestaria, mas não o fez até o fechamento da matéria. 

De acordo com Carlos*, liderança da ala jovem de um partido que acompanhou os primeiros passos da Frente Pela Tarifa Zero, “essa entidade estudantil deveria representar todos os estudantes, porém, a força majoritária que a controla é de um partido e uma juventude que sempre esvazia os atos e manifestações”. Ele afirma que esse movimento está numa posição estratégica em razão de sua força nas entidades de representação, mas usa dessa posição para tentar obter hegemonia na direção dos movimentos sociais. “[O boicote à manifestação da Frente] é algo corriqueiro para eles. Se acham que algo não é necessário ou importante, ou se não são eles que estão na direção. Eles querem ter monopólio dos atos, por ser de um partido grande”, explica.

Após o boicote, os “pelegos” não participaram mais das atividades da Frente. Depois da segunda manifestação, que reuniu dezenas e contou com a realização de “catracaços” – quando manifestantes abrem as portas para cadeirantes das estações tubo para que cidadãos possam entrar no ônibus sem pagar, a Frente começou a perder força. As reuniões contaram com cada vez menos militantes, o terceiro ato – um protesto na Smart City Expo – recebeu poucos manifestantes, em comparação com as centenas reunidas nas semanas anteriores. 

Para Ana Clara, o esvaziamento do movimento é normal. Após a euforia que segue o anúncio do aumento da passagem, as pessoas naturalmente se desmobilizam. “Não temos pernas para correr para todos os lados”, explicou, justificando porque a Frente está se concentrando em participar de audiências e eventos de mobilidade urbana para discutir e entender o tema da Tarifa Zero. A Frente também está redigindo um manifesto para nortear suas próximas ações. O objetivo seria construir um projeto, atuar de maneira propositiva, para provar que a Tarifa Zero é uma realidade alcançável em Curitiba. 

Agora composta de poucos militantes, a Frente Pela Tarifa Zero segue lutando – formulando um projeto de Tarifa Zero para Curitiba, conversando com especialistas do transporte público e, até mesmo, articulando com políticos. Apesar desses esforços, Ana Clara afirma que só com maior mobilização popular a pauta pode se concretizar – a Frente busca democratizar as informações sobre a “máfia do transporte”. “Queremos ser um movimento de denúncia. Quanto mais informações temos, mais indignados ficamos. Espero que consigamos mobilizar a população para ir às ruas lutar por esse direito. Não estaria fazendo tudo isso se não acreditasse que é possível”, conta.

*Nome fictício. Fonte conversou com a reportagem sob condição de anonimato.