Jornada de trabalho longa e intervalos curtos; conheça o cotidiano dos cobradores de tubo

por Maria Luiza Baiense
Jornada de trabalho longa e intervalos curtos; conheça o cotidiano dos cobradores de tubo

Empregados pela Urbs e empresas terceirizadas, motoristas de ônibus e cobradores de tubo encaram horas longas de expediente com apenas alguns intervalos para necessidades básicas

Por Gabrielle Tiepolo, Maria Luiza Baiense, Mariana Machado e Tayná Machado | Foto: Tayná Machado

Motoristas e cobradores da Urbanização de Curitiba S/A (URBS) têm uma jornada de trabalho extensa, que pode ir de 8 a 10 horas de expediente. Pela legislação, esses trabalhadores deveriam ter uma hora de intervalo em meio ao seu turno. De acordo com o que foi apurado pela reportagem, isso nem sempre ocorre.

Uma cobradora, que não quis ser identificada, trabalha no tubo Dom Ático no sentido Terminal Portão, na Vila Guaíra. Afirma que seus intervalos são limitados a momentos com pouco movimento, quando vai a oficinas e estabelecimentos próximos. Quando faz pausas, uma colega que trabalha no outro tubo supervisiona o posto. Outro cobrador ouvido pela reportagem e que atua na estação Marechal Floriano revelou que reveza com um colega por 15 minutos. O caso dele é diferente porque existe um banheiro na estação e os intervalos são mais rápidos. Para o café, ele permanece no tubo para comer.

A troca de turnos é usada pelos cobradores como o momento em que eles “podem ir ao banheiro mais de uma vez”. Samuel, que não identificou seu sobrenome, funcionário do tubo Fernando de Noronha sentido Capão Raso diz que aproveita ao máximo esses horários. A reportagem conversou com a funcionária que estava cobrindo Samuel, que não quis ser identificada, e relatou que pode ser penalizada se tiver um excesso de pausas durante o expediente. “Muitas vezes a gente precisa sair, mas eles explicam que se sair muitas vezes e deixar o tubo sozinho levamos multa”. Além disso, a cobradora revelou que nas vezes que precisa ir ao banheiro e não tem ninguém que possa ficar no lugar dela durante esse período, a catraca fica aberta para quem tiver a sorte de passar sem pagar nada. 

Segundo a advogada trabalhista Christiane Pegorini, as empresas de transporte coletivo devem garantir o descanso adequado aos motoristas, incluindo férias, horas de expediente justas e intervalos suficientes ao longo da jornada de trabalho. O art. 67-C da Lei 13.103 determina que a cada 5 horas trabalhadas, o motorista deve ter pelo menos 30 minutos de descanso. “Existem muitos servidores que desconhecem seus direitos e trabalham horas seguidas indevidamente”. 

Saúde em primeiro lugar? 

Diversos cobradores de tubos, que também não quiseram revelar o nome completo, contam que o tempo permitido para intervalos é de apenas 15 minutos. É o caso de Silvia, cobradora do tubo Fernando de Noronha sentido Santa Cândida. “Esse tempo é muito pouco. A loja mais próxima fica na Rua da Cidadania e eu não consigo ir, voltar e fazer o que eu preciso só em 15 minutos”. Bernardo, cobrador do tubo Antônio Lago sentido Capão Raso, relatou que todos os dias almoça às nove horas da manhã em casa, muitas vezes ficando horas sem comer durante o trabalho. “O tempo é corrido para atender todo mundo.” Ambos contam que não possuem uma hora específica do dia para fazer os intervalos, mas sempre que precisam desse tempo devem avisar com antecedência para outra pessoa cobrir a saída.

Ações como a de Silvia e Bernardo impactam diretamente o funcionamento físico das pessoas e não são contra indicados por especialistas. Segundo recomendações da Organização Mundial da Saúde, na última diretriz sobre atividade física e comportamento sedentário lançada em 2020, é de que a cada 30 minutos precisamos nos mover e exercitar os músculos andando alguns passos ou fazendo exercícios físicos. A maioria dos cobradores de tubo passam horas seguidas sentados trabalhando, o que pode ser extremamente prejudicial para a saúde em geral.

Outra sugestão da organização é a quantidade de vezes que precisamos nos alimentar por dia. As refeições devem ser divididas em seis porções, consumidas nas principais horas do dia e com lanches saudáveis nos intervalos. Essas orientações muitas vezes não são seguidas pelos funcionários que trabalham em tubos de ônibus, em especial pela privação de pausas e quantidade de horas trabalhadas. Isso leva a efeitos prejudiciais na saúde desses trabalhadores a longo prazo.

Artur Franco, cobrador que pediu para não ter o tubo identificado, contou que foi diagnosticado com anemia após muito tempo sem comer devido às exaustivas jornadas de trabalho. “Estava me sentindo muito cansado, mais fraco e tudo mais. Quando minha mulher me levou para o hospital a médica falou que eu estava ficando muito tempo sem comer e tomar água, por isso eu estava mal”. A solução ideal para os problemas relatados seria investir em mais intervalos durante o expediente, com uma rotação de trabalhadores para que os tubos não fiquem sem ninguém. Mesmo que as empresas empregadoras não concordem com isso, a saúde dos funcionários deveria ser uma prioridade. 

Consciência dos problemas

O grande problema de toda essa situação é a falta de consciência da maioria dos cobradores ou o medo que eles têm de se posicionar. Muitos relatos de pessoas ouvidas pela reportagem são sobre não ter consciência que estão sendo privados de seus direitos ou de não ter outra escolha de trabalho. Então, mesmo que a consciência exista, eles não possuem meios de sair da situação. Uma funcionária que optou pelo anonimato afirma que sabe que o problema é grave, mas não há muito o que possa fazer. “Tenho filhos em casa e não posso me dar o luxo de ir procurar um trabalho melhor, porque eu sei que não vou achar outra coisa.” Além disso, outro receio relatado por alguns entrevistados que possuem consciência dos problemas é, que ao reivindicar melhores condições de trabalho, a perda do pouco que tem seja a consequência desta ação.

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