Jovens infratores dos Cense-PR estão há um ano sem encontrar familiares

por Eduardo Veiga Nogueira
Jovens infratores dos Cense-PR estão há um ano sem encontrar familiares

Diferente de outros estados, visitas às unidades socioeducativas paranaenses foram excluídas por conta da  Covid-19 e não retornam  desde março do ano  passado.

Por Eduardo Veiga Nogueira | Foto: Ministério Público do Paraná

Jovens residentes nos Centros de Socioeducação (Cense) do Paraná não têm contato presencial com suas famílias há cerca de um ano. As visitas se encerraram a partir das ações de contenção da Covid-19, iniciadas em março de 2020. Diferente de outros estados, que permitem encontros familiares restritos, no Paraná os adolescentes vêem os pais apenas por videochamadas. Eles têm contato apenas com profissionais das unidades socioeducativas, que se revezam em trabalho presencial e teletrabalho.

O Departamento de Atendimento Socioeducativo (Dease) do estado atende jovens infratores, em regime de internação, semiliberdade ou internação provisória. Os Censes são exclusivos para adolescentes internados. Segundo informações da Secretaria da Justiça, Família e Trabalho, a maioria dos jovens das Casas de Semiliberdade foram liberados para cumprir a medida socioeducativa em casa, durante a pandemia.

A direção concluiu que manter os jovens nos Censes seria uma garantia de segurança para os jovens e para sua família, segundo o chefe do Dease, Coronel David Pancotti. “A segurança da não visitação ao adolescente é a segurança do adolescente”, diz Pancotti, que reconhece haver maior risco com a circulação diário dos servidores nas unidades socioeducativas. Ele afirma que os casos de Covid-19 registrados nos Censes ocorrem devido a novas internações. No ano passado, 1215 adolescentes foram atendidos em meio fechado – 46% do total de medidas socioeducativas aplicadas. Até a conclusão desta reportagem, a Divisão de Saúde do Dease contabiliza 178 servidores e 21 jovens contaminados pela Covid-19. Nenhuma morte foi registrada.

O único contato dos adolescentes com familiares é através de videochamadas realizadas junto aos profissionais de assistência social e atendimento psicológico das unidades. O Dease não cogitou a possibilidade de retorno das visitas ao longo do ano. Em estados como Rio de Janeiro, por exemplo, são permitidas visitas dos pais com agendamento prévio, duração reduzida e limitação de um responsável por visita, entre outros.

Na opinião de uma psicóloga da socioeducação do Paraná, que prefere não se identificar, muitos jovens poderiam não estar isolados dos pais neste período, pois cumprem medidas que poderiam ser executadas em meio aberto. A servidora destaca que atende “muitos adolescentes apreendidos por tráfico. Apesar da gravidade do delito para o adulto, para o adolescente ele não tem o mesmo peso, já que não representa uma ameaça à vida”. Para ela, a privação de liberdade é uma medida que se justifica em casos de riscos reais, situações que não configuram “a maioria dos jovens do Cense” em que trabalha.

A cartilha que orienta a atuação do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em conformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), explicita que a privação de liberdade deve existir apenas em “casos de grave ameaça ou violência à pessoa; de reiteração no cometimento de infrações graves; ou de descumprimento da medida proposta anteriormente”.

“A dor pela apreensão é muito grande. A saudade da família é muito grande, mesmo com as visitas. Agora, nas chamadas de vídeo, eles se emocionam quando vêem a casa deles”, relata a psicóloga, reforçando o aumento da ansiedade dos jovens neste período. Com a exclusão das visitas familiares, os adolescentes dos Censes também deixaram de receber alimentos de fora das unidades, como refrigerante e chocolate. Segundo a psicóloga, isso gera um grande impacto negativo nos jovens, pois representa o que eles chamam de “lembranças da liberdade”.

Quanto ao aprendizado dos adolescentes, a professora do Cense Curitiba Márcia Mocellin, que teve Covid-19, afirma que, diferente de estudantes que moram com seus pais, jovens internados nos Censes não podem contar com o auxílio de familiares. Para ela, “se já tinha um buraco nessa aprendizagem, ele continua ou aumenta ainda mais” com as medidas de contenção da pandemia estabelecidas nos Censes. Márcia ainda pontua que os jovens se tornaram mais próximos dos servidores dos Censes com a exclusão das visitas. “Não só no sistema socioeducativo, mas na vida das pessoas, quando alguém se ausenta, outra pessoa aparece e vai ocupando espaços”, conclui a professora.

Os adolescentes que cumprem medidas em meio fechado estão em penúltimo lugar na fila de prioridade para a vacinação contra a Covid-19 no estado. O Plano Nacional de Imunização diz que a vacina é contraindicada a menores de 18 anos, parcela que corresponde a 92% dos jovens atendidos pela socioeducação do Paraná no ano passado, de acordo com o Fundo Estadual para Infância e Adolescência (FIA). Familiares dos adolescentes não possuem prioridade na vacinação.

Pandemia traz instabilidade para aulas na socioeducação

Desde março de 2020, o sistema de aulas dos jovens internados nos Censes sofre adaptações. As informações são da coordenadora da Divisão de Formação Educacional e Profissional do Dease, Andréa de Lima Kravetz.

• As aulas nos Censes foram interrompidas em março. Diferentemente da rede pública de ensino do estado, nos Censes as atividades eram enviadas pelos professores e repassadas pelo pedagogo da unidade. Não houve aula virtual até maio.

• Em junho, alguns Censes receberam salas de informática e internet, permitindo que professores fizessem atendimentos simultâneos.

• A partir de outubro, os jovens puderam conversar com os professores, presencialmente, uma vez por semana. Os encontros foram encerrados em dezembro.

• Desde então, os adolescentes voltaram ao sistema posto em junho. Retornando as aulas presenciais da rede pública de ensino, o mesmo deve acontecer nos Censes.

O que é a Socioeducação?

A socioeducação é uma criação, estabelecida no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que permite a intervenção do estado na vida de adolescentes infratores.  O objetivo da socioeducação é reintegrar jovens à sociedade, através de medidas socioeducativas. Os princípios e diretrizes que orientam a intervenção estão contidos no Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo. No Paraná, o órgão responsável pelo acompanhamento do jovem que cumpre medida socioeducativa é o Departamento de Atendimento Socioeducativo (Dease/Sejuf).

Há cinco tipos de medida socioeducativa: abrigamento provisório, internação, internação provisória, internação sanção e semiliberdade. A medida socioeducativa é cumprida nos Centros de Socioeducação (Cense) ou nas Casas de Semiliberdade. Sendo apreendido, o adolescente pode permanecer cinco dias em uma delegacia, até que o Ministério Público e o poder judiciário decidam qual será o procedimento com o jovem. Se a decisão envolver internação, há o acionamento da central de vagas do Dease, que direciona o adolescente para uma unidade socioeducativa. Há internação provisória de 45 dias, período de confirmação ou não da permanência do jovem.

Socioeducação no Paraná

O Paraná possui 19 Centros de Socioeducação e oito Casas de Semiliberdade. Cada unidade socioeducativa de internação possui um pedagogo, que trabalha juntamente a assistentes sociais, psicólogos e professores.

Para o chefe do Dease, Coronel David Pancotti, as pessoas dizem, de forma errada, que a socioeducação é uma prisão para os jovens. Segundo ele, isso é uma particularidade das ações feitas no Paraná. “Nós tratamos o nosso adolescente de forma humanizada”, afirma Pancotti. “As outras políticas não foram implementadas e fatalmente ele [o adolescente] vai cair em uma UTI. A UTI é a socioeducação. É lá que ele vai ter os primeiros contatos com a alfabetização, com uma qualificação profissional”, conclui. De acordo com informações do Dease, 56% dos adolescentes raramente foram à escola.

O Programa de Educação na Socioeducação (Proeduse) adotou a Educação de Jovens e Adultos (EJA) como modalidade de ensino para os adolescentes internados.

Superlotação em Curitiba

Em 2015, a Vara de Adolescentes em Conflito com a Lei de Curitiba determinou que o governo do Paraná tomasse medidas quanto à superlotação registrada no Cense Curitiba. O pedido foi feito pela Promotoria de Justiça da mesma vara.

Na ação civil movida pelo Ministério Público contra o Estado, o órgão alegou “omissão do Poder Público”, destacando a permanência de jovens, já sentenciados, nas unidades socioeducativas. A continuidade de adolescentes nos Centros de Socioeducação ou Casas de Semiliberdade por tempo superior ao determinado pela legislação é ilegal.

O Cense Curitiba foi obrigado a transferir jovens para outras unidades, proibir a permanência de mais de um jovem por alojamento e também a entrada de adolescentes infratores de fora da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba.