Os jovens sem identidade escolar

por Equipe Festival de Teatro
Os jovens sem identidade escolar

Quase 25 milhões de jovens, entre 14 e 29 anos, estão fora da escola, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

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Por: Matheus Zilio & Thiliane Leitoles

Lugar de criança é na escola. Esse é o ditado popular que confirma o direito de toda e qualquer criança ou adolescente que deseja estudar. Mas, nem sempre, esse direito é almejado (não seria alcançado ou atingido?) por jovens brasileiros, o que resulta em aproximadamente 25 milhões de jovens no Brasil que desistiram da vida acadêmica, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua 2016 feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Entre os principais motivos do abandono escolar encontram-se a inserção no mercado de trabalho e a gravidez na adolescência. É o que diz a pesquisa Aprendizagem em Foco feita pelo Instituto Unibanco, além de apontar a população de baixa renda, em sua maioria negros, como o grupo de maior probabilidade de evasão. O estudo também mostra o desinteresse dos jovens pelo ambiente escolar como outra razão recorrente do abandono acadêmico. Tal falta de entusiasmo é motivada, segundo a pesquisa, pela baixa qualidade de ensino e pelo currículo, principalmente no ensino médio, enciclopédico e com pouca possibilidade de escolha.

Esse é o caso de André Luís Pereira da Silva, que parou de estudar aos 12 anos de idade, na sexta série do ensino fundamental, no ano de 2003. Silva diz que a razão do abandono foi o desinteresse pela escola e o fascínio pelo ganho alto e fácil advindo do tráfico de drogas. “Eu tinha dinheiro fácil. Se eu precisava de R$ 10,00, era só ficar ali na frente de casa meia hora, que eu ganhava R$ 200,00”. Ele conta que sua mãe sempre foi a pessoa que mais o incentivou a voltar para a escola, mas, segundo Silva, ela faleceu sem vê-lo concluir os estudos. O jovem afirma que a mãe dele era sua maior força, mas já se encontrava desmotivada quanto a acreditar que Silva largaria o tráfico para ter uma vida melhor. “Já era para eu ter morrido, todo mundo falava isso, inclusive minha mãe. Deus já me livrou de várias coisas. Parece até que depois que a mãe morreu, eu comecei a reconstruir minha vida. Mas não foi bem assim, eu já tinha começado antes”.

Hoje, aos 26 anos, o homem diz que voltou a estudar em período noturno de uma escola estadual de São José dos Pinhais. Além disso, segundo ele, está trabalhando como terceirizado em uma empresa de descarregamento, como (e) também já deu aulas de música para crianças em uma ONG da comunidade onde mora. “Hoje, eu não posso voltar a dar aula sem concluir os estudos. Mas depois que eu terminar, acho que eu volto. Eu também quero tentar fazer uma faculdade de música ou educação física”. Para Silva, é satisfatório ajudar outras pessoas, tanto na escola em que estuda, quanto na ONG que (na qual) era voluntário. “Eu não me acho inteligente, porque eu estou atrasado nos estudos. Mas têm pessoas mais velhas na minha sala que estão começando e têm mais dificuldade, e eu sempre ajudo”.

A diretora auxiliar em período noturno do colégio estadual Padre Antônio Vieira, onde Silva estuda, Maria José Teixeira diz que vários motivos levam os alunos a se desinteressarem pelo estudo no ensino regular. Entretanto, na educação de jovens e adultos, o que mais desperta a falta de interesse é a rotina de trabalho. “Apesar da idade, eles não têm consciência ainda da importância de vir à escola. No entanto, depois de um dia exaustivo de trabalho, é difícil eles reunirem forças para vir até o colégio”. Maria explica que a única ajuda que pode ser oferecida ao aluno trabalhador é abonar as faltas ou atrasos com justificativas das empresas. “Às vezes, o aluno trabalha longe ou o patrão não é flexível com horários. Não tem como a escola fazer um calendário diferente para esses alunos. Existe o acordo com a empresa, o que ajuda muito, mas nem sempre eles conseguem”.

A educadora conta que já trabalhou em escolas particulares, mas hoje está apenas em escolas públicas e percebe a diferença na questão da evasão escolar. “Em escolas privadas, o ensino é pago, sendo assim, os pais exigem maior interesse dos filhos pelo estudo”. Maria ainda afirma que os alunos que voltam a estudar, depois do abandono escolar, acreditam que a carga horária acadêmica menor torna mais simples a aprovação. Entretanto, de acordo com a diretora, eles têm um calendário a ser cumprido, bem como provas e avaliações presenciais que devem ser feitas pelos professores diariamente.

Outra situação de desistência escolar é a da auxiliar de cozinha Pamela Santos, que abandonou os estudos também na sexta série aos 12 anos. Pamela afirma que a desmotivação se deu tanto pelo ensino fraco, quanto pela falta de incentivo dentro de casa. Além disso, a jovem conta que. na época, teve vontade de aproveitar outras coisas e não a oportunidade de estudar, isso também influenciou muito para a evasão, segundo Pamela.

A auxiliar confirma a vontade de voltar a estudar, mas conta que hoje, aos 19 anos, tem uma filha de dois anos, o que dificulta sua volta à escola. “Se eu voltar a estudar, ainda mais agora trabalhando, não tem quem cuide da minha filha”. Pamela ainda diz que sentiu muita dificuldade em conseguir emprego, visto que as empresas costumam exigir, pelo menos, o ensino fundamental completo, segundo ela.

Desenvolvimento estudantil

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é um indicador nacional criado pelo Instituto Nacional de Estudo e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que permite o monitoramento da qualidade de ensino brasileiro. Os dados são coletados e calculados com base na taxa de rendimento escolar, que é a quantidade de aprovação das escolas, e nas médias de desempenho nos exames aplicados pelo instituto.

A principal avaliação do Inep, nomeada como Prova Brasil, ocorre a cada dois anos. O Inep estabelece uma meta no resultado da avaliação para as redes de ensino, que corresponde ao sistema educacional de países desenvolvidos.  

De acordo com o último censo do Ideb, em 2015 o Brasil ultrapassou a meta estabelecida nos anos iniciais do ensino fundamental, em redes públicas de ensino. As escolas privadas ficaram abaixo da meta nos anos iniciais e finais do ensino fundamental e também no ensino médio. Segundo o censo, de todos os municípios do Paraná avaliados, 80% alcançaram a meta definida para o Estado.

Para o professor de sociologia Gilberto Miranda, o principal motivo de desistência escolar dos estudantes é o trabalho: “às vezes, eles continuam em outros turnos, mas trabalhar dificulta. E o turno noturno é difícil de lidar’’. Ele afirma que a escola sempre oferece um suporte em casos de gravidez, por exemplo. Mesmo não sendo um sistema excepcional, os professores podem ajudar a aluna sendo mais flexíveis, diz Miranda.

Segundo o sociólogo, a escola não tem que oferecer um estudo que o aluno julgue interessante: “claro que fazer uma aula diferente é outra coisa, mas são os alunos que precisam ir atrás’’. De acordo com ele, cada escola apresenta um Ideb, sendo o resultado total muito importante para o diretor e para a escola de modo geral. Porém, se a escola possui um índice baixo, o repasse do governo destinado à rede diminui. Miranda comenta que as escolas não exitam (hesitam e é a segunda vez que eu leio essa grafia. Qual dos dois escreveu isso?) em aprovar os alunos, visto que isso aumenta o índice da instituição, que acaba por receber mais investimentos do governo. “À partir do momento que você aprova vários alunos, você está ganhando mais dinheiro. Porém, em nível de ensino, você está decaindo e formando pessoas ignorantes”.

A lei

A ordem (?) que garante estudo para todas as pessoas é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96) da Constituição Federal. Segundo a LDB, é obrigatória a educação básica e gratuita dos quatro aos 17 anos de idade.

O advogado de direitos humanos Vitor Leme afirma que os responsáveis em garantir que o jovem estude são principalmente os pais, mas também deve partir dos professores e empregadores: ”o chefe tem que oferecer condições necessárias para que esse adolescente estude enquanto trabalha”. Ele alerta que, quando os pais não matriculam o filho na escola, ocorre um crime intitulado de abandono intelectual.

Leme conta que o problema é não ter como obrigar jovens, acima de 18 anos, a continuarem estudando, pois já possuem capacidade civil. Entretanto, eles podem voltar a estudar quando quiserem, diz o advogado. De acordo com ele, a LDB busca incentivar esses jovens a voltarem para a escola através de políticas públicas, no entanto, não existe nenhuma legislação específica que ajude essa população em particular. ”As oportunidades de emprego para quem tem ensino fundamental ou ensino médio incompleto são menores. E são empregos, normalmente, precarizados”.  O advogado ainda afirma que o indivíduo não irá perder seus direitos por deixar de concluir o ensino básico.

Mercado de trabalho

Em 2017, o número de jovens que não estudam nem trabalham cresceu 6%, o que equivale a 619 mil jovens nessa condição, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), feita pelo IBGE. A pesquisa aponta que de 48,5 milhões de pessoas, entre 15 e 29 anos, 23% delas não trabalham, não estudam e não buscam qualificação. Além disso, cerca de 25,1 milhões de pessoas, também entre 15 e 29 anos, não alcançaram o ensino superior completo  e não estavam estudando ou se qualificando no ano passado.

“As pessoas que resolvem parar de estudar tomam essa decisão, em algum momento da vida delas, por necessidade. E elas levam isso de forma normal, porque aquilo acaba sendo comum para elas. É a escolha que elas fizeram”, afirma o psicólogo e gestor do setor de Recursos Humanos (RH) da Irmandade Santa Casa de Curitiba Edvaldo Pinheiro de Campos.

Campos diz que a maior necessidade do jovem que abandona o estudo é precisar optar (se é necessidade então não é opção) pelo trabalho. Ele conta que as gerações anteriores sempre valorizaram muito o trabalho, então, para eles, o filho trabalhar é mais importante que estudar: ”os pais quando adolescentes precisavam trabalhar para ajudar no sustento da família. E esse pensamento acaba sendo transferido para os filhos”.

Para Campos, essa ideologia teve certa repressão com a política do menor aprendiz, que buscou fazer com que o jovem tivesse a oportunidade de estudar e conseguisse, aos poucos, ser inserido no mercado de trabalho. Desse modo, o jovem é auxiliado a proporcionar sustento para sua família, diz o psicólogo. ”Se esse jovem não está estudando nem trabalhando, provavelmente ele está nas ruas, isso gera um problema social”.

Menor Aprendiz

De acordo com dados? Quais? o Ministério do Trabalho, em 2017, mais de 310 mil jovens, do programa Menor Aprendiz, foram contratados por empresas. A pesquisa diz que apesar de ser o maior contingente registrado em uma década, o número representa um terço de 939,7 mil vagas que poderiam ter sido disponibilizadas se todas as empresas, que são obrigadas a contratar um número mínimo de jovens aprendizes, cumprissem a legislação.  

A educadora do projeto Jovem Aprendiz, Anarian Mendes, explica que o jovem deve ter entre 14 a 24 anos, estar estudando ou ter concluído o ensino médio para participar do programa. E, ao ser empregado, o contrato não pode passar de dois anos, diz Anarian. Ela conta que hoje o perfil do jovem é bem variado. Mas quando a lei do Menor Aprendiz foi criada, os interessados eram jovens com vulnerabilidade social e dificuldades na educação, que dificilmente tinham chances de conseguir uma entrevista de emprego, afirma a educadora: ”muitos querem ter tempo para estudar, mas também precisam trabalhar para pagar os estudos. E o programa fornece essa possibilidade, pois o jovem não trabalha mais de 6 horas por dia”.

De acordo com Anarian, a relação entre as empresas e os jovens está melhorado muito, mas ainda têm algumas empresas que não aderiram bem a ideia e contratam o jovem como cumprimento de lei: ”as dificuldades ainda existem pela insegurança e pelo fato de muitas empresas não saberem exatamente o objetivo da lei, nem conhecerem ela. Mas o programa sempre dá suporte para ambas as partes, muitas vezes fazendo ponte entre empresa e aprendiz”.  

Para a educadora, os pontos positivos do programa são que os jovens desenvolvem a comunicação, aprendem a valorizar mais o dinheiro, e, muitas vezes, acabam se encontrando em alguma profissão. Ela ainda diz que os únicos pontos negativos no programa ocorrem quando o jovem entra obrigado pelos pais ou apenas pelo dinheiro. Pois, com isso, o aprendiz acaba não aproveitando e, até mesmo, influenciando de maneira negativa seu próprio perfil como trabalhador: ”as empresas não gostam muito de ter aprendiz menor de idade, justamente pela imaturidade que alguns apresentam”.  

A jovem aprendiz e estudante Jenyffer Christine Ferreira diz que o programa tem a ajudado financeiramente e também como pessoa dentro da sociedade. Visto que o aprendiz tem a oportunidade de conhecer todos os direitos trabalhistas,diz ela. Porém, a estudante alega que o aprendiz, muitas vezes, não é valorizado no mercado de trabalho. Uma vez que, mesmo com as leis, a maioria das empresas não as seguem e abusam do aprendiz.

 

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