Resenha: O Olho da Rua, de Eliane Brum

por Ryan Minela
Resenha: O Olho da Rua, de Eliane Brum

“Uma repórter em busca da literatura da vida real”

Por Ryan Minela | Imagem: pixabay.com

É improvável que o leitor saia ileso após ler as dez reportagens que compõem O Olho da Rua. Eliane Brum conhece bem seu ofício. Sabe como começar uma reportagem e como terminá-la. As palavras iniciais moldam uma primeira frase formulada especialmente para cativar quem a lê e, até o fim, mantê-lo envolvido com a história que é contada. E o desfecho invariavelmente intriga e impacta, deixando o leitor pensativo, pois, apesar de concisas, não são narrativas de fácil digestão, uma vez que abarcam enorme carga emotiva e cenas fortes.

Além do mais, trata-se da realidade, de personagens de carne e osso. Saber que todas aquelas pessoas de fato existiram, ou existem, e que não foram criadas pela mente de um literato faz bastante diferença na hora de reagir e absorver cada um dos eventos narrados. É a vida real que fornece os alicerces para que toda ficção possa ser erigida. E há histórias verídicas tão impressionantes quanto as encontradas nos livros de literatura. Às vezes até mais.

Não parece mera casualidade que a primeira reportagem discorra a respeito de partos e parteiras, simbolizando o nascimento, o desabrochar da vida, e a última fale de cuidados paliativos e pacientes em estado terminal, notórios signos de morte e encerramento. Dois pontos de um fio que tece a intrincada trama de vivências que constituem esse livro. E a morte é uma temática saliente nele, junto com a pobreza, a violência, o crime, a miséria, a dor. Difícil, ao entrar em contato com histórias tão incisivas, não se sentir afetado. Algumas passagens talvez possam inclusive levar o leitor às lágrimas, de tão chocantes.

As páginas desse livro são povoadas por parteiras calejadas, que tratam o parto como uma arte que exige cuidado e paciência; disputas encarniçadas, entre indígenas e grileiros, por terras; toda a melancolia e as implicações da velhice; a alegria fugaz de uma efêmera ascensão social e o impacto da volta à pobreza; relatos de florestas recônditas; a tristeza e o desamparo das mães que perdem os filhos para o tráfico; a febre do ouro; consequências da meditação intensa; indivíduos em seus dias derradeiros. Enfim, uma miscelânea de temas. Cada um preenchido por personagens memoráveis, cheios de vida e presença, e acontecimentos marcantes.

A autora alia um delicado lirismo à dureza das frases curtas. Tem o poder de síntese jornalístico e o encanto literário unidos. Disserta sobre o sofrimento e a miséria da condição humana sempre com um olhar sensível ante a realidade. Seu estilo é composto por vários pontos finais porque ela sabe da relevância do ritmo em uma narrativa. As palavras que estruturam suas frases, numa sintaxe direta e potente, são selecionadas por alguém que está ciente do valor e da força que cada uma delas tem no texto. Há, também, figuras de linguagem muito bem posicionadas, sem exageros.

Durante a leitura, foi difícil não pensar em antropologia — a própria autora cita o termo uma ou duas vezes —, porque ela fala no valor da alteridade — termo antropológico basilar — para o ofício do repórter. Eliane entende a importância de dar voz ao outro, do contato com o outro e com seu universo. Ela esmiúça os generalismos. Traduz a abstração numérica de uma estatística em indivíduos com vivências, anseios e contradições. Caça subjetividades, idiossincrasias. Humaniza as personagens, as nomeia.

Ela sabe que a imparcialidade é uma utopia, porém se esforça para conter o ego e dar o máximo de voz aos personagens. Exceto em uma reportagem, o inimigo sou eu, um relato pessoal de uma experiência íntima, mas nem por isso menos interessante.

Por fim e além de tudo isso, há dois elementos que enriquecem a experiência do leitor: os bastidores e as fotografias. Após cada reportagem, há algumas páginas dedicadas a contar como esta foi produzida, seus impasses, suas diretrizes. Um making of, em suma. E, acompanhando o mosaico de reportagens, há as fotos, que não só ilustram a história que está sendo contada, como também tecem uma narrativa própria, imagética, que se casa com o texto escrito e revela matizes que este não consegue captar.

O Olho da Rua é recomendado para todos os jornalistas em busca de inspiração e para todas as pessoas que gostam de histórias comoventes e bem-contadas, transformadoras. Vale a leitura!

 

Título: O Olho da Rua

Autor(a): Eliane Brum

Editora: Arquipélago Editorial

Data da publicação: 23 de maio de 2017 ( segunda edição)

Número de páginas: 305

Gênero: jornalismo, jornalismo literário

Preço médio: R$ 47, 29