“A fotografia é minha arma pela revolução”, afirma o fotógrafo Leandro Taques

por Julius Nunes
“A fotografia é minha arma pela revolução”, afirma o fotógrafo Leandro Taques

Taques tem 40 anos, já foi diagramador, jornalista e hoje dedica quase 100% de seu tempo à fotografia

Por Caroline Stédile, Getulio Xavier, Melvin Quaresma e Thiana Perusso
Fotos: Leandro Taques

10696389_4875808148521_3048285668365279613_nFazendo jus a uma das preferências dos jornalistas, Leandro Taques escolheu um bom café para ser o local em que a entrevista fosse feita. Em uma conversa leve, descontraída e esclarecedora, o repórter-fotográfico contou um pouco de suas experiências profissionais e viagens, principalmente a que deu origem ao livro “Retrato da Paz”. Além disso, Taques revelou o novo projeto que está trabalhando e que envolve o lançamento de um próximo livro em 2015. Nascido no dia 1 de março de 1974, em Pato Branco, no Sudoeste do Paraná, Taques chegou a Curitiba quando tinha 15 anos, para estudar Desenho Industrial no Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná (CEFET-PR). Devido ao curso técnico, ele começou a trabalhar como diagramador na Folha de Londrina, sucursal Curitiba. Por estar inserido nesse meio, graduou-se em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Tuiuti do Paraná. Atualmente, Taques ministra aulas de fotografia no Centro Europeu, focando na área que mais tem interesse, a documental.

 

Portal Comunicare (PC): Como surgiu o seu interesse pela fotografia?

Como eu era diagramador da Folha de Londrina, convivia com os fotógrafos da redação e era bem curioso. Até que um dia cheguei para o chefe da fotografia, que era o Albari Rosa, e pedi a ajuda dele, pois queria fotografar. Ele abriu o armário, pegou o equipamento pessoal dele, colocou no meu colo e disse: “vamo aê”. Ele me incentivou desde o princípio. Foi aí que surgiu meu interesse pela fotografia e, desde então, me apaixonei.

PC: Qual o seu principal tipo de fotografia?

Bom, depois de me formar em Jornalismo, eu fiz duas pós-graduações. Uma de Fotografia, pelas Faculdades Curitiba e outra em Fotografia enquanto Instrumento de Pesquisa nas Ciências Sociais, pela Faculdade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro. Nessa última, me encontrei, entendi o que queria de fazer de verdade. Sempre falo que a minha fotografia é mais social. Quando me perguntam “Leandro, você fotografa paisagem?” eu digo que sim, afinal, sou fotógrafo, eu até sei fotografar. Mas o meu prazer, a minha busca é a fotografia de pessoas, de comunidade, da figura humana.

PC: Por que a escolha pelo preto e branco?

Porque a cor distrai. O desafio é enxergar um mundo colorido em preto e branco. Com a fotografia digital, é possível fotografar colorido e em determinado programa transformar em preto e branco. Mas eu não faço isso. Eu visualizo uma cena em preto e branco e como cada cor vai ficar nessa fotografia. Eu creio que seja uma fotografia mais forte e como o tipo de imagem que eu gosto de fazer é de gente, eu acredito que o preto e branco valoriza mais, é uma questão de linguagem fotográfica. Esses dois pontos justificam as minhas escolhas. E não posso negar, minhas referências fotográficas são todas preto e branco.

PC: Quais são essas referências fotográficas?

Sebastião Salgado é uma grande referência – estava no evento dele em Curitiba –, Josef Koudelka, Robert Capa, Cartier Bresson. Além deles, tenho umas referências mais novas, como o fotógrafo espanhol Pep Bonet, uma geração muito próxima a minha. O fotógrafo cubano que tive a chance de conhecer, Raul Calviño. John Urban, que tem um trabalho de documentação do Paraná incrível. Ele fotografou os antecessores dos sem-terras, os boias-frias, na década de 70, ele possui uma obra e é um homem sensacional.

PC: Para você, qual foi a mudança do uso da fotografia analógica para a digital?

A mudança foi tranquila, porque tive bem pouco tempo de fotografia analógica. Apesar de eu não ter sentido tanto essa mudança, a quantidade de fotografias foi o que mais mudou. Por exemplo, tínhamos que fotografar a final do Atletiba com a analógica. Eu levei 5 filmes de 36 poses para fazer tudo: torcida chegando, o jogo, os times posados, a comemoração, a volta olímpica, a possível briga entre as torcidas, foto clássica com  a taça, tudo em apenas 180 fotos. E a gente fazia. Hoje, você vai fotografar qualquer jogo, não precisa nem ser uma final de paranaense, utiliza umas 600 fotos só no primeiro tempo. Isso é uma grande mudança.

PC: Quando surgiu a vontade de viajar?

No começo da década passada. No dia 8 de novembro de 2011 começaram os bombardeios americanos no Afeganistão. Nesse momento, eu e um amigo da redação, o Julio César, estávamos tomando um café. Até que surgiu aquele interesse de fazer uma cobertura de guerra. Eu sempre falo: desconfie de um fotojornalista que não tem uma grande vontade de cobrir uma guerra, uma olimpíada ou uma copa do mundo. Afinal, isso é algo muito inerente a essa profissão. E conosco não foi diferente. Seis meses depois, eu e o Julio estávamos embarcando para Cabul, mas completamente independente, pois 15 dias antes nós e mais uma galera havia sido demitida da Folha de Londrina. Tínhamos uma viagem planejada de 30 dias, no mês de férias, mas como não precisaríamos mais voltar e tínhamos grana, esticamos a viagem. Eu fiquei 64 dias viajando pelo Afeganistão, Paquistão, China, Tibet, Nepal, Índia. E aí que começou a história da fotografia mais documental, que é o que eu gosto de fazer até hoje.

[slideshow_deploy id=’13087′]

Fotos: Leandro Taques

PC: Sobre o seu livro, O Retrato da Paz, como foi a produção?

Angola conseguiu a independência de Portugal em 1975. Depois, iniciou-se uma guerra civil que durou até 2002, ou seja, foram 27 anos de guerra. Estive em 2006 lá, ou seja, existiu um período de 4 anos de não-guerra contra esses 27 anos.  E quando eu fui lá, comecei a observar isso. A não-guerra era uma novidade em Angola. Ao todo, foram quase seis meses morando em Angola e fotografando. Eu não quis mostrar a história da guerra, apontar vencedor e derrotado, não. Eu quis fazer um recorte daquele período. Como eu não tinha muita segurança e confiança com o arquivo digital, optei por fotografar em analógica. Consegui um patrocínio da Petrobras, com uma lei de incentivo, que viabilizou a publicação do livro e foi muito emocionante.

PC: O que as viagens mudaram em você como pessoa?

Eu acredito muito, ainda, apesar de tudo, no ser humano. Só que o ser humano é muito diverso e eu me interesso em conhecer essa diversidade. Então, o que muda em mim, é esse conhecimento. Conhecer as características sociais mundo a fora, esses costumes, esses sofrimentos. E começo a me perguntar: o que faz um ser humano, que necessita e que foi feito para viver em comunidade, viver agredindo os semelhantes? Isso é uma incógnita para mim, que eu não sei responder. E cada vez mais a gente se depara com situações absurdas, principalmente na guerra, opressões, agressões entre nações, etnias ou países. A minha fotografia tem sido um instrumento, ela quer contar para o mundo todas essas histórias.

PC: Qual o seu envolvimento com as histórias dos lugares em que já passou?

É intenso e doentio, às vezes. Começo a pesquisar, a ler e procuro sempre me informar historicamente. Para ir para o Afeganistão, li 13 livros, para ir para a Palestina, li uns 15 livros. Você passa pela informação, contrapontos, conhece várias fontes e, a partir do seu referencial, começa a concluir algumas coisas. Eu sempre me envolvo. Quando fui para Cuba, tive a chance de viver 12 dias como um cubano vive, não é fácil, mas é solidário e bonito. A primeira vez que fui para o mundo islâmico, percebi o fervor da religião. O islamismo é uma coisa bonita, prega a justiça social, não é nada disso que a mídia mostra.

PC: Tem alguma história que te marcou nas viagens que realizou?

Quando eu fui para a Palestina, ano passado, nós estivemos em um vilarejo e a juventude foi protestar contra o muro que Israel construiu. De um lado, uns com pedra na mão e de outro, o quarto exército, com alta tecnologia. É muito desproporcional. O povo palestino luta para não desaparecer.

PC: Qual o significado da sua tatuagem no braço?

“Revolução até a vitória”, está escrito em árabe e é a minha homenagem ao povo palestino. Essa revolução, não é a revolução utópica que eu estou falando. É a revolução do estado palestino, soberano, revolução da reforma agrária, revolução contra o bloqueio americano de Cuba, assim por diante. A revolução de um ser que procura a justiça e a solidariedade. A fotografia é minha arma pela revolução.

PC: E qual sua opinião sobre as atuais manifestações contra o governo?

Vi uma mulher com um cartaz “abaixo a democracia, intervenção militar já”. Por um lado, eu fico assustado por saber que existam acéfalos nesse país que preguem isso. Isso me assusta. Eu acho que houve uma intensificação do ódio nesse processo eleitoral, tanto pela presidente da república, pelo partido que ela representa e pelo governo de uma forma geral. Vivemos em uma democracia, um tanto quanto jovem, e se ela for ameaçada, vamos defendê-la. Apesar desses acéfalos, tem gente que não vai deixar essa democracia, que foi tão arduamente conquistada, acabar. Mas pelo amor de Deus. O debate político tem que ser qualificado, não dá para ter uma fonte como referência. “Ah porque a, corrupção”, como se tivesse surgido ontem.

PC: Acredita que as redes sociais banalizam a fotografia?

A rede social, comercialmente falando, é uma bela forma de divulgar o trabalho. Agora a questão da banalização, não é só por conta da rede, pois ela é o canal, mas é mais impactante o volume de imagens que são produzidas hoje em dia. Hoje, não precisa de câmera, você faz foto pelo celular. Essas duas coisas juntos que banalizam. Corre o risco de só passar o olho, não analisa mais a imagem, com a devida atenção que uma fotografia precisa ter. Um exemplo da rede como forma positiva, inclui o meu próximo trabalho.

PC: E qual seu novo projeto de trabalho? Conte-nos um pouco mais.

Em fevereiro do ano que vem, eu vou lançar um livro fotográfico sobre a romaria de São Lázaro, que acontece em Cuba. Ele é um santo protetor dos enfermos. As pessoas vão pagar as promessas e manifestar a fé para o santo. Eu já fotografei isso em 2012 e foi muito bonito. Agora em dezembro, do dia 10 a 19, estou voltando para fotografar novamente. Vou financiar esse livro via financiamento coletivo – crowdfunding. A principal ferramenta de ação e comunicação é a rede social. Já comecei minha rede de contatos do perfil e da fan page falando sobre os projetos, pesquisando se a pessoa colaboraria, se ajudaria na divulgação e o feedback está positivo, 95% das pessoas se interessaram. Ou seja, de uma forma coletiva, eu posso viabilizar um projeto. É uma coisa sensacional. Não precisa depender de grana de lei de incentivo. No crowdfunding, para viabilizar, eu preciso vender. Então eu sei quem vai se interessar e comprar meu livro. Isso é muito bacana e diferente. É um bom exemplo que a rede social pode ser muito positiva, só precisa ser usada da forma correta.

PC: Leandro, agora umas perguntinhas rápidas. Que tipo de música não pode faltar no seu iPod?

Rock. A melhor banda do mundo pra mim é Led Zeppelin.

PC: O que você gosta de fazer, além de fotografar?

Sou tarado por livros. Gastar R$500 com roupa, eu acho um absurdo. Mas com livros, eu gasto tranquilamente.

PC: Se não fosse fotografo, seria…

Eu não tenho a menor ideia. Sou muito feliz com o que eu faço.