Mais de 1700 famílias curitibanas podem ser despejadas

por Ricardo de Siqueira
Mais de 1700 famílias curitibanas podem ser despejadas

Lideranças das ocupações urbanas e rurais de Curitiba apontam a falta de assistência e de alternativas da Prefeitura para as famílias que não tem para onde ir

Por: Ricardo de Siqueira
Fotos: Ricardo de Siqueira

Mais de 1700 famílias correm o risco de serem despejadas de ocupações irregulares em Curitiba, segundo o Mapeamento Nacional de Conflitos pela Terra e Moradia. Dados da Companhia de Habitação (Cohab) apontam a existência de mais de 400 ocupações na cidade. Dentre elas, a Tiradentes II (CIC) e a Britanite (Tatuquara) são as que correm o maior risco de uma operação de reintegração de posse. 

Em uma audiência pública realizada em março pela Comissão de Mediação de Conflitos Fundiários (CMCF), as lideranças do movimento Despejo Zero questionaram a falta de assistência da Prefeitura em encontrar uma solução para oferecer habitação popular e regularização fundiária para as famílias das ocupações

Dilton Figueiredo é morador da Tiradentes II e conta que alguns policiais são vistos registrando fotos e fazendo constantes rondas na ocupação. Dilton é um imigrante venezuelano que chegou ao Brasil dois anos atrás e mora na ocupação porque o salário de servente que recebe na construção civil onde trabalha não é o suficiente para alugar uma casa regularizada em Curitiba. A média do m² na cidade hoje é de R$ 36,43.

Em setembro de 2023, os moradores da Tiradentes II foram surpreendidos por uma ordem de reintegração de posse pedido pela empresa proprietária do local, a Essencis, que administra um aterro sanitário ao lado da ocupação. Desde então, a comunidade organizou um grupo de vigília para tentar resistir às ameaças de despejo.

Desde 2020, já foram mapeados quatro registros de remoção total. Uma das mais recentes foi a reintegração de posse que ocorreu na comunidade Povo Sem Medo em 2022. Segundo lideranças e autoridades presentes no local, não houve aviso prévio e nem a presença da Defensoria Pública do Estado, que deixou boa parte das famílias ficarem sem ter para onde ir, recebendo ajuda em outras ocupações da cidade.

Valdecir Ferreira da Silva, um dos líderes do Movimento Popular por Moradia, o MPM, conta que a Prefeitura de Curitiba não demonstra interesse em dialogar com as famílias e que sempre recebem a mesma resposta da Cohab.

Eles mandam entrar na fila. Prefeitura odeia dialogar com quem está em uma ocupação, para eles somos pessoas indesejadas

Atualmente há uma grande fila esperando por uma casa. Cerca de 32 mil inscritos. Outro ponto em questão é que o programa habitacional aceita apenas inscritos com uma renda mensal superior a R$1.600, valor incompatível com a renda das famílias mais pobres da cidade.

A ocupação Britanite é composta por mais de 400 famílias que correm o risco de serem despejadas a qualquer momento

Mediação entre as Ocupações e o Poder Público

Em 2018, o Governo do Estado criou a Comissão de Mediação de Conflitos Fundiários, que também é composta por membros do Governo Federal e do Ministério Público. O grupo vem atuando junto a SUDIS, Superintendência Geral de Diálogo e Interação Social, no contato com as lideranças das ocupações em visitas técnicas e audiências públicas.

Como explicou o superintendente e presidente da comissão, Roland Rutyna, no caso de áreas privadas a organização consegue somente mediar a conversa entre as lideranças e os proprietários. Este é o caso da Tiradentes II, e também da Britanite, que pertence à empresa Tatuquara S.A.

No caso das áreas que pertencem às prefeituras municipais como a de Curitiba, a Comissão tenta criar grupos de trabalho e, se preciso, um corpo técnico de profissionais que possam realizar os procedimentos necessários para a regularização.

Roberta Zambenedetti, assessora da SUDIS e Secretária-Executiva da CMCF, conta que a lei federal de 2017 (Lei nº 13465) chamada de Reurb, facilitou a possibilidade de regularização fundiária nas cidades. Em Curitiba, porém, o programa só foi regulamentado em 2022 no Decreto nº 1488/22 e vem sendo questionado por exigir critérios urbanísticos muito específicos que dificultam a  aprovação de projetos de regularização.

Roberta explica que a Prefeitura de Curitiba defende que os trabalhos já realizados pelo município são o suficiente, como os abrigos temporários fornecidos pela Fundação de Assistência Social (FAS). Quanto a Cohab, não há um programa que possa dar uma casa para essas famílias de forma acessível, o que poderia ser uma opção para as que estão alojadas em áreas privadas e ameaçadas de reintegração de posse.

Até o momento, a Comissão de Conflitos e a Prefeitura de Curitiba vem mantendo uma linha de diálogo, mas não houve uma ação efetiva para solucionar os casos das ocupações.

Famílias lutam contra o despejo

Moradores das ocupações protestam contra a ameaça de despejo e por acesso a condições básicas de moradia

|Por: Ricardo de Siqueira

Lideranças e moradores das ocupações de Curitiba e Região Metropolitana realizaram um protesto no centro da capital paranaense reivindicando o fim das operações de despejo contra comunidades em situação irregular. Além do teto, a campanha despejo zero pede por acesso a condições básicas de moradia, como o acesso a energia elétrica e o saneamento básico. Dilton Figueiredo, venezuelano e morador da ocupação Tiradentes II, comenta que em nosso país a legislação não facilita o acesso à moradia, principalmente para pessoas de baixa renda que não conseguem comprar ou financiar uma casa própria. Para ele a única forma de lutar por este direito é ocupando e protestando.

O protesto foi organizado por movimentos sociais ligados à causa pela moradia popular, entre eles o Movimento Popular por Moradia (MPM) e a Frente de Organização dos Trabalhadores (FORT)

Alguns cartazes chamam a atenção durante a caminhada que os manifestantes fizeram entre as praças 19 de Dezembro e Nossa Senhora de Salete

As mulheres foram colocadas como protagonistas do protesto que aconteceu um dia antes do Dia Internacional da Mulher

Valdecir Ferreira, um dos líderes do Movimento Popular por Moradia, comenta que os moradores das ocupações se sentem ameaçados através de discursos violentos que criticam a forma que os movimentos por moradia agem. Mesmo assim os moradores afirmam que não vão desistir de poder ter suas casas regularizadas

A presença de crianças no ato também reflete a preocupação dos pais com a educação de seus filhos, onde a falta de assistência do poder público pode dificultar o acesso dessas crianças à escola

Ao meio do percurso carros que passavam ou esperavam a avenida ser liberada buzinaram para os manifestantes, alguns em sinal de apoio e outros em sinal de desaprovação ao ato

Durante o caminho, os olhares, gestos e até buzinas serviam como termômetro de apoio ou não aos manifestantes

No final do percurso os manifestantes passaram em frente a Prefeitura Municipal de Curitiba

O poder municipal foi convidado a participar de uma audiência pública que seria realizada ao final do ato, entre lideranças das ocupações e a Comissão de Conflitos Fundiários do Governo do Estado. Nenhum representante da Prefeitura compareceu

Até então a luta dos moradores das ocupações continua. Mesmo com a mediação feita pela comissão, ainda não há certeza do futuro das famílias que estão ameaçadas de despejo, um futuro que depende de ações judiciais e da ação dos governos estadual e municipal