Pacientes apontam a falta de acesso a medicamentos a base de cannabis

por Larissa Croisfett
Pacientes apontam a falta de acesso a medicamentos a base de cannabis

Rosilane Wrege segurando seu remédio à base da cannabis medicinal.

Nova decisão do Estado do Paraná regulariza novas medicações à base da planta Cannabis.

Por Larissa Croisfett | Foto: Larissa Croisfett

O governo paranaense permitiu, no fim de fevereiro, que novos remédios a base de canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC) estejam dentro do catálogo ofertado pela Secretaria de Saúde, desde que sua segurança seja comprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Atualmente, apenas 1 medicamento é registrado na Agência, o que implica uma burocracia de aprovação e importação para usuários que precisam de outros remédios não registrados. Apesar do avanço, ainda existem muitas variantes a serem discutidas nesse contexto.
Segundo o médico Renan Abdalla, especialista na prescrição de cannabis, o acesso a esses medicamentos é urgente. “O que eu acho que pode ser melhorado nesse processo é facilitar o acesso aos pacientes que necessitam, principalmente os de baixa renda”, reflete o profissional. Abdalla ainda destaca que existem diversas patologias que poderiam ser incluídas na lei brasileira por se beneficiarem desses compostos.

Como exemplo, a psicóloga Rosilane Wrege, 55 anos, que faz uso do Tegra Usaline para controle de disfunções hormonais. A terapeuta conta que passou 8 anos fazendo reposição hormonal pelos métodos tradicionais, o que ocasionou um episódio de trombose. Hoje, no uso do CBD há nove meses, Wrege diz que é o primeiro remédio que faz uma diferença significativa em sua saúde sem nenhum efeito colateral.

Rosilane também afirma que temeu não conseguir a permissão das autoridades brasileiras. “Era uma época um pouco angustiante, fiquei com receio de iniciar o tratamento e nossa legislação retroceder, não liberar a importação e eu ficar sem a medicação”, conta a psicóloga.

Além disso, os custos acabam sendo muito altos. A fisioterapeuta Cristiane Duarte, 39, é mãe do Conrado, que usa Cannabidiol Premium para controlar algumas comorbidades do autismo. A mãe da criança de 5 anos conta que compra o remédio sem ajuda governamental. “Compramos por conta própria, é um valor considerável, porém ele tem ótima duração no caso do meu filho, então não se torna tão custoso”. Esse valor alto acontece por conta da legislação que restringe o plantio de cannabis medicinal, e consequentemente, a existência de laboratórios de produção própria no Brasil, deixando a importação e suas taxas como única opção.

Além disso, socialmente, o uso dessa planta não é completamente aceito. Rosilane relata que sente um desconforto vindo de pessoas não usuárias da medicação. “Não nomearia como preconceito, porém, muitas vezes, senti uma estranheza não falada na reação das pessoas com quem conversei sobre o assunto”. Esse preconceito é fruto da associação entre essa planta e o uso da droga entorpecente conhecida como maconha.

Em julho de 2022, a Fiocruz promoveu um seminário internacional sobre o assunto em conjunto com a Apepi (Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal). Para Sidarta Ribeiro – neurocientista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – que discursou no evento, a cannabis é o remédio do século XXI. “O THC tem representado uma revolução na geriatria, já que aumenta a produção de proteínas sinápticas e a velocidade neuronal”, explicou o professor. Entre os efeitos do THC ainda é possível citar o relaxamento muscular, efeitos anti-inflamatórios, anticonvulsivos e até antidepressivos.

Considerando todos esses pontos, é possível identificar os caminhos da legislação brasileira. “Uma das nossas buscas é trazer conhecimento para médicos e para a sociedade. Quebrar preconceitos através da ciência e da prática clínica, e quebrar o estigma da cannabis. A cannabis não é só o canabidiol, quando falamos dessa planta, estamos falando de mais de 300 componentes que podem auxiliar”, observa o médico Renan Abdalla.

“A regulamentação da Lei Pétala (Lei 21.364/2023) é urgente. São milhares de pessoas que esperam ter facilitado o acesso aos medicamentos à base de cannabis medicinal no Paraná”, afirma o Deputado Goura (PDT), líder da nova regulamentação. Agora, a Secretaria de Saúde tem 180 dias, por decreto, para publicar os detalhes em relação às diretrizes de acesso aos novos remédios aprovados.

Debate legislativo sobre Cannabis medicinal é recente

Nova decisão do Estado em relação ao uso medicinal da Cannabis regulariza a Lei pétala 

Deputado Estadual Goura (PDT) divulgando a Lei Pétala| +Foto: Divulgação/Assessoria Parlamentar

 

O recente decreto da Assembleia Legislativa do Paraná faz parte do processo de regularização da Lei Pétala. Essa lei discorre sobre o uso e acesso a remédios à base de derivados da planta Cannabis, popularmente conhecida como maconha. Seus efeitos benéficos à saúde são reconhecidos pela ciência cada vez mais, e com isso, se faz necessário que a lei brasileira de adeque às novas descobertas. Desde 2006, a legislação do Brasil vem incluindo essa planta em discussões parlamentares, mesmo que seu uso seja milenar.

Os primeiros registros do uso dessa planta data de antes de Cristo (A.C), no oriente. Os chineses já utilizavam a Cannabis para controlar dores e inflamações. No Brasil, a erva chegou durante o período da colonização e foi introduzida nos hábitos dos indígenas, escravos e posteriormente dos europeus como a maconha recreativa. Esse processo ajudou para que o mal estereótipo dessa planta se perpetue até hoje.

No entanto, há avanços. Confira a baixo a linha do tempo da regularização e legalização do uso da cannabis medicinal do Brasil:

2006:

  • É criada a Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), em 23 de agosto, que prevê, não exclusivamente, a autorização para o plantio, cultura e colheita da Cannabis, desde que para fins medicinais e científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização.

2014:

  • É proposto, em 25 de fevereiro, o PL 7187/2014 que dispõe sobre o controle, a plantação, o cultivo, a colheita, a produção, a aquisição, o armazenamento, a comercialização e a distribuição de maconha (cannabis sativa) e seus derivados.
  • É proposto o PL 7.270/2014, no dia 19 de março, que regula a produção, a industrialização e a comercialização de Cannabis, derivados e produtos de Cannabis.
  • São iniciadas importações de produtos à base de Cannabis em casos especiais de pacientes portadores, principalmente, de epilepsia refratária (quando os remédios convencionais não são capazes de controlar a epilepsia).

2015: 

  • A Cannabis sativa é reclassificada, por meio da publicação da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 03/2015, na lista de substâncias sujeitas a controle especial no Brasil. Em 26 de janeiro, a planta passa a ocupar a Lista C1.
  • É proposto o PL 399/2015, em 23 de fevereiro. Esse Projeto de Lei propõe alterar o art. 2º da Lei nº 11.343/2006, para viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta Cannabis sativa em sua formulação.
  • É publicada a RDC 17/2015, no dia 08 de maio, que define os critérios e os procedimentos para a importação de produtos à base de canabidiol para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado.

2016:

  • A Cannabis medicinal é incluída na lista de plantas e substâncias de controle especial da Portaria 344, de 1998, do Ministério da Saúde para que o registro de medicamento à base dos derivados da planta na ANVISA seja possível.

2017: 

  • É publicada a RDC 156/2017, que inclui a Cannabis na lista das Denominações Comuns Brasileiras (DCBs) em plantas medicinais.
  • É proposto o PL 514/2017, que permite o semeio, cultivo e colheita de Cannabis sativa para uso pessoal terapêutico, em quantidade não mais do que suficiente ao tratamento, de acordo com a indispensável prescrição médica.

2019:

  • É publicada a RDC 262/2019, em 1° de fevereiro, que facilita a importação de medicamentos à base de Cannabis pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
  • É proposto o PL estadual (PR) 962/2019, que assegura o acesso a medicamentos e produtos à base de canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC) para tratamento de doenças, síndromes e transtornos de saúde.
  • É proposto o PL 4.776/2019 que propõe autorizar a produção de Cannabis para fins medicinais; sujeitar os medicamentos à base de Cannabis a controle e fiscalização sanitária; permitir a sua venda exclusivamente em farmácias; autorizar a sua prescrição e dispensação no âmbito do SUS e também propõe um procedimento simplificado para a sua importação direta para uso pessoal.
  • Também é proposto o PL 5.158/2019 para obrigar o Sistema Único de Saúde (SUS) a fornecer gratuitamente remédios à base exclusivamente de canabidiol.
  • É proposto o PL 5.295/2019 que submete ao regime de vigilância sanitária a produção, distribuição, transporte, comercialização e a dispensação de Cannabis medicinal e dos produtos e medicamentos derivados.
  • É publicada também a RDC 327/2019, como norma temporária e prevê sua revisão em três anos. Essa RDC permite que produtos à base de Cannabis fabricados por empresas certificadas quanto às Boas Práticas de Fabricação (BPF) possam ser disponibilizados à população brasileira.

2020:

  • A RDC 17/2015 foi revogada pela RDC 335/2020. Tal alteração teve a finalidade de facilitar a importação excepcional e reduzir os requisitos e prazos de análise das solicitações submetidas à agência.

2021:

  • É aprovado o PL 399/15 e o PL estadual 962/2019.

2023: 

  • É proposto o PL 481/23, em 13 de fevereiro, que institui a Política Nacional de Fornecimento Gratuito de Medicamentos Formulados de Derivado Vegetal à Base de Canabidio e outras substâncias canabinoides, como o tetrahidrocanabinol, nas unidades de saúde públicas e privadas conveniadas ao SUS.
  • A PL estadual 962/2019 se torna a Lei 21.364 (Lei Pétala) em 13 de fevereiro.

Em 2024, os diversos Projetos de Leis continuam em andamento e é previsto que cada vez mais a legislação do país se atente a esse assunto.