Pessoas LGBTI lutam por maior visibilidade no esporte

por Ivan Martins Cintra
Pessoas LGBTI lutam por maior visibilidade no esporte

Os atletas LGBTI conquistaram 32 medalhas nas Olimpíadas de Tóquio 2021, mas a luta pela representatividade ainda é grande e necessária

Por Adriano Sirius, Ivan Cintra, João Caetano, Juliana Boff e Lua Beatriz | Foto: SatyaPrem/PIXABAY

As Olimpíadas de Tóquio tiveram a participação de mais de 11 mil atletas, destes, 181 são assumidamente LGBTI – baseado em declarações públicas. É uma diversidade sem precedentes na história dos Jogos Olímpicos e representa mais do que o triplo visto nos Jogos do Rio-2016. No entanto, a proporção de um pouco mais de 1,5% dos atletas olímpicos parece pequena comparada às estimativas demográficas gerais, que apontam 4% a 8% da população mundial como homossexual ou transexual; no Brasil esse grupo representa 10% da população total do país (de acordo com a ABGLT). Os dados trazem à tona a questão da visibilidade LGBTI no esporte, que nunca esteve tão forte em Jogos Olímpicos, mas ainda são sub-representados.

Com base no quadro de medalhas dos Jogos de Tóquio 2021, se estes 181 atletas LGBTI fossem uma delegação, seriam o sétimo lugar com 32 medalhas (11 ouros, 12 pratas e 9 bronzes), ficando à frente de delegações como Holanda, França, Alemanha, Itália e do Brasil – que teve 21 medalhas e 302 atletas. Essa determinação também se reflete no histórico de lutas e conquistas da comunidade, que sempre sofreu muito com apagamento e preconceito, inclusive no esporte.

Dos 181 atletas que já manifestaram publicamente fazer parte da comunidade LGBTI, mais de 90% correspondem a modalidades femininas – 164 atletas. Megan Rapinoe, a primeira jogadora de futebol da seleção estadunidense a revelar-se gay, faz parte de organizações que lutam contra a homofobia no esporte, como a Athlete Ally. Rapinoe e as demais jogadoras de futebol correspondem a 25% das pessoas assumidas publicamente nas Olimpíadas de Tóquio.

O Brasil, com 18 atletas, teve a segunda maior delegação LGBTI nos jogos olímpicos. Dentre os representantes, a medalhista de ouro na maratona aquática Ana Marcela Cunha que, após a prova, dedicou a medalha a “todos aqueles que lutaram pela defesa dos direitos das mulheres e das pessoas LGBT”. Além dela, o ponteiro da seleção brasileira de vôlei Douglas Souza, que ficou conhecido pelas postagens dos bastidores dos jogos, afirmou, em relato aberto ao Globo Esporte, se orgulhar de levantar a bandeira LGBTI.

Com um expressivo número de atletas assumidos publicamente, as Olimpíadas de Tóquio, além de entrar para a história como os jogos em meio a uma pandemia, ficaram marcadas pela diversidade. A neozelandesa Laurel Hubbard, do levantamento de peso feminino, foi a primeira atleta transgênero a disputar uma edição de jogos olímpicos.

Para o atleta brasileiro de saltos ornamentais, Ian Matos, que participou das olimpíadas do Rio-2016 e assumiu publicamente a homossexualidade em 2013, as competições não estão ficando mais LGBTI, mas as pessoas estão se assumindo cada vez mais. “Cada pessoa tem o seu tempo, eu não posso exigir que a pessoa saia do armário, que ela se assuma para a família, eu não posso exigir que um atleta se assuma publicamente”. Para Ian a atitude de se assumir para o público é uma decisão muito difícil, “as pessoas têm que colocar na balança se vale a pena ou não vale”, na opinião do atleta paraense “cada atleta LGBT que ainda não se assumiu publicamente tem que saber muito bem onde ela tá pisando.”

Relatando sua experiência pessoal, Ian Matos diz ter escolhido assumir-se publicamente pela questão de representatividade, “para falar que tava tudo bem você ser gay, que isso não vai afetar muitas coisas na sua vida, que você vai passar por dificuldade, mas que dificuldade todo mundo passa. Eu fiz esse movimento pensando nisso, uma representatividade de pessoas gays dentro do esporte”.

Pessoas LGBTI muitas vezes desistem de praticar esportes por conta do sofrimento causado pela LGBTfobia. Vinessa Sal, mulher negra e transexual, afirma ter abandonado a prática do polo aquático por conta do preconceito, “passava por situações constantes de chacota e não só por questões de sexualidade e gênero, mas de etnia também”. Para Vinessa o ambiente esportivo “era lotado de elitismo e LGBTfobia”. Para Felipe Trotte, ex-jogador de vôlei amador, “em questão da representatividade estamos dando passos lentos, mas pelo menos estamos caminhando”; em sua opinião os atletas trans são os que mais sofrem com o preconceito.

Ao longo dos últimos anos, diversas organizações se ergueram em luta contra o preconceito no esporte. Em Porto Alegre (RS), o Magia Sport Club foi criado em 2005 para ser um lugar seguro onde pessoas LGBTI pudessem praticar esportes competitivos sem sofrerem preconceito. O que começou com o futebol entre amigos hoje é um espaço para a prática também de handebol, jiu-jitsu e vôlei. Para o presidente do clube, Carlos Renan Evaldt, as pessoas procuram o Magia para se sentirem seguros de ser quem são, “nos procuram muitas vezes porque não se sentem à vontade para jogar futebol em uma equipe hétero”. A iniciativa não acolhe apenas pessoas LGBTI, “tem meninas que não são LGBT que vêm nos procurar porque sofreram assédio em outros lugares”.

O Magia Sport Club é uma associação sem fins lucrativos, mas não só esportiva; ela tem também tem cunho cultural e educacional, “nós fazemos campanhas nas escolas públicas e privadas promovendo ações educacionais, campanhas contra o bullying e o preconceito através da inclusão no esporte”, concluiu o presidente do clube.

Em Curitiba, o Grupo Dignidade foi fundado em março de 1992, se tornando a primeira ONG LGBTI do Paraná e a segunda mais antiga do Brasil em funcionamento ininterrupto. De acordo com Lucas Siqueira, diretor de atendimento da organização, a atuação com a CBF e com a COB foi intensa, “queriam impedir mulheres trans de participar esportes femininos (…) hoje em dia é autorizado, mas existe um protocolo”. Para que uma mulher transexual possa competir nas Olimpíadas pelo Brasil, o seu nível hormonal tem que estar igual ao de uma mulher cisgênero, isso também é exigido de homens trans, que precisam estar com o mesmo nível de testosterona dos homens cis.

O Grupo Dignidade oferece atendimento psicológico, orientação jurídica, grupos de apoio, encaminhamento social, projetos voltados à prevenção sexual e recebem denúncias de preconceito. Todos os projetos são de gratuitos para a comunidade.

https://www.grupodignidade.org.br/

Com as Paraolimpíadas começando, pelo menos 23 atletas publicamente assumidos LGBTI disputam os jogos – quase o triplo do número de representantes nos jogos do Rio, em 2016. A brasileira Edênia Garcia, nadadora tetracampeã mundial de natação paralímpica, tida como referência no esporte paralímpico brasileiro, está presente nos jogos de Tóquio. Após tornar sua orientação sexual pública durante os Jogos Parapan-Americanos de Lima, em 2019, acredita que o posicionamento é importante para se identificar enquanto indivíduo nos grupos, afirmou em entrevista ao Correio Braziliense, após o término dos jogos de Lima.