Falta de informação e cigarros do Paraguai potencializam vício em tabaco

por Giovana Tirapelli
Falta de informação e cigarros do Paraguai potencializam vício em tabaco

Ainda que o número de fumantes tenha diminuído, 11,3% da população adulta de Curitiba ainda fuma, de acordo com a Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel)

Por Giovana Tirapelli, Larissa Croisfett e Henrique Cabral | Foto: Giovana Tirapelli

A falta de acesso à informação sobre grupos de apoio contra o tabagismo pode ser considerada um elemento agravante do vício em cigarro, assim como o acesso facilitado a versões barateadas do tabaco, que são contrabandeadas do Paraguai e possuem têm substâncias prejudiciais e viciosas do que um cigarro lícito. Além disso, fatores familiares e psicológicos também podem contribuir para a dificuldade de largar o cigarro, mesmo que, conforme os cardiologistas Juan Carlos Yugar-Toledo e Heitor Moreno Júnior,  78% dos tabagistas queiram se livrar da dependência.

O consumo do tabaco está em um processo de despopularização: houve uma queda de 46% no percentual de fumantes no Brasil entre os anos de 1989 e 2010, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA). Isso se deve à criação do Programa Nacional de Controle ao Tabagismo, que visa diminuir a morbimortalidade de indivíduos por doenças decorrentes do tabaco. Porém, nem sempre a existência desse programa chega a quem precisa, o que leva Curitiba a estar em 3º no ranking montado pelo Ministério da Saúde de capitais com mais fumantes.

Os grupos atuantes na cidade em apoio contra o tabaco – como a Narcóticos Anônimos, instituição sem fins lucrativos que atua no mundo todo; e o Programa Municipal de Controle do Tabagismo (PMCT), programa ofertado pela Prefeitura da cidade através do SUS – não são amplamente divulgados. Nos dois casos, é necessário que o fumante vá atrás das informações de forma independente, já que a propaganda desses movimentos se limita à Internet, cartazes nos postos de saúde e eventos esporádicos.

Rute (nome fictício), analista de 48 anos, é fumante há três décadas e relata que, nesse período, só parou de fumar três vezes, durante as gestações e uma cirurgia. Ela conta que, na época, ofereceram-lhe remédios para auxiliar o processo de abstinência, como pílulas ou adesivos de nicotina, mas nunca a encaminharam para grupos que oferecessem um tratamento longevo e multidisciplinar. Ela afirma que, se estivesse em um ambiente rodeado de pessoas que também tentam controlar o fumo, a moderação seria mais fácil.

Paraguai só consome 3% do cigarro que produz

Além da falta de acesso à ajuda, as mais de 160 mil mortes por ano atribuíveis ao tabaco, relatadas pelo Ministério da Saúde, continuam a acontecer, em parte, pelo uso de cigarros contrabandeados do Paraguai. O país produz cerca de 71 bilhões de cigarros ao ano, conforme o portal da CNN Brasil, mas só consome 3% dessa quantidade, o resto é distribuído para as países vizinhos, incluindo o Brasil, de modo ilegal. 

Enquanto um cigarro brasileiro custa entre R$ 5 e R$ 15, um produto paraguaio custa, em média, R$ 4. A diferença pesa no orçamento doméstico, ao se contabilizar o valor total gasto com o produto. O paranaense destina pelo menos 8% da renda familiar per capita para a compra de cigarros todo mês, conforme o Instituto Nacional do Câncer (INCA). Rute, por exemplo, gasta em torno de R$ 11 por carteira de cigarro brasileiro. No mês, a conta ultrapassa os R$ 100; no ano, os R$ 1 mil. 

Mas usar cigarros mais baratos tem consequências. A composição da droga contém mais de 5 mil toxinas, que podem causar até 55 doenças diferentes, de acordo com a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). Já segundo a National Geographic Brasil, a fumaça do cigarro pode conter até 70 substâncias cancerígenas. Além disso, uma pesquisa feita em 2011, pela professora Nadir Marcondes, fundamenta que esses cigarros estrangeiros contém, além dos males de um cigarro normal, pedaços de insetos, plástico e muitas bactérias que podem piorar os danos à saúde. 

Outros agravantes do tabagismo

Além da falta de informação sobre grupos de apoio e da existência de cigarros alternativos, o ambiente familiar e questões psicológicas também podem aumentar as chances do uso do tabaco. 

De acordo com a psicóloga Stefani Carneiro, um dos fatores sociais que levam as pessoas ao cigarro é estar inserido em uma família com membros tabagistas. “Quando o tabagismo faz parte da cultura dessa família, é algo que se perpetua e se mantém, acaba sendo transgeracional”, explica a especialista.

De fato, uma criança de pais não fumantes tem 8% de chance de se submeter a essa droga, enquanto uma criança que cresceu tendo contato com o hábito do fumo tem 26% de chance de seguir os passos dos pais, afirma um estudo realizado pelos sociólogos Mike Vuolo e Jeremy Staff

Da mesma forma, pessoas com quadros psiquiátricos estão mais vulneráveis ao tabagismo. Rute é prova viva disso. Segundo ela, o hábito do cigarro começou ainda na adolescência, por conta da influência que recebia dos amigos. Mas, hoje, esse hábito se tornou uma espécie de alívio. “Eu acho que fumo por ansiedade, é o meu cano de escape. Sair aqui fora, dar uma fumada, e voltar a trabalhar; porque, às vezes, na pressão, você precisa de alguma coisa”. 

A psicóloga também atesta que todos os pacientes tabagistas tinham algum tipo de transtorno mental. Ela ainda declara que a solidão é um dos grandes motivos que tornam o tabaco atraente, porque muitas pessoas acabam encontrando no cigarro uma companhia.

Para reverter esse quadro, Stefani sugere a conscientização, redução de danos e o incentivo à socialização, para que essas pessoas se sintam acolhidas. 

Vício e nicotina

A sensação atraente do fumo acontece através da nicotina, o principal agente do cigarro. Essa substância orgânica é um estimulante que excita células cerebrais, no qual promove a liberação de adrenalina a partir da glândula supra-renal; responsável pela produção de hormônios. Esse elemento imita os neurotransmissores e aumenta o nível de  dopamina, o que leva à sensação de prazer. Esse processo, desde o impacto no centro nervoso do cérebro até a propagação da dopamina no córtex, ocorre de 7 a 19 segundos após a tragada do cigarro. Logo, o vício ocorre pela gratificação dessa ação. 

Quanto mais cigarros fumados, diminui o nível de nicotina no cérebro, o que causa a necessidade de doses mais elevadas. Esse aumento na dose cria uma tolerância do organismo à substância e o usuário tende a fumar cada vez mais cigarros. Esse também é o caso de Rute, que fuma ahá 30 anos e consome cerca de 20 cigarros em dois dias. Todo esse processo, apesar de aparentemente terapêutico, causa dependência e aumenta as chances do desenvolvimento de doenças, tanto psicológicas quanto físicas, como cânceres, doenças crônicas e cardiorrespiratórias, depressão e transtorno do pânico. 

“O tabagista, ao inalar a fumaça com a nicotina da qual está dependente, inala juntamente, em média, 2,5 mil substâncias lesivas ao organismo.” afirma o médico José Rosemberg, especialista em tabagismo.


Onde procurar ajuda

Os serviços da Narcóticos Anônimos podem ser achados através do site da instituição, onde são informados os passos para reuniões virtuais e presenciais, além de meditações guiadas e uma “calculadora para o tempo limpo”. Atualmente, em Curitiba, existem oito grupos de ajuda que se encontram de duas a três vezes na semana. 

Há também o Programa Contra o Tabagismo, ofertado pela Secretaria de Saúde de Curitiba. O programa é aberto a todos que tenham interesse, pois, conforme Ana Paula Machado, atual coordenadora do PMCT, esse é um direito de todos, independentemente de sexo, etnia, ocupação, características sociais ou pessoais. A ajuda pode ser contatada pelo número de telefone 3350-9000 ou de modo presencial em qualquer unidade de saúde da cidade. Todas as informações estão no site da Prefeitura.

Também é possível falar diretamente com o Ministério da Saúde, através do número de telefone 136.