Passaporte vacinal: saúde coletiva ou violação de direitos individuais?

por Luiza Braz
Passaporte vacinal: saúde coletiva ou violação de direitos individuais?

OPINIÃO

Por Luiza Schmid Braz

A obrigatoriedade ou não do passaporte vacinal no estado do Paraná só depende da sanção ou do veto do governador Ratinho Júnior ao Projeto de Lei (PL) 655/2021. O PL proíbe a exigência de comprovante de vacinação para adentrar determinados locais (públicos e privados), bem como para possibilitar contratação e manutenção de trabalho, ou para a inscrição em concursos/matrícula em centros institucionais.

A justificativa dos deputados estaduais é a de que “O direito à liberdade de locomoção, previsto na Constituição da República (art. 5, XV) somente pode ser restringido nos exatos limites da própria Constituição”, de modo que a apresentação do comprovante de vacinação seria uma afronta aos direitos fundamentais individuais.

De fato, a Constituição da República leciona que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Assim, conforme defendem os parlamentares autores do Projeto de Lei 655/21, são constitucionalmente garantidos os direitos individuais de escolha de cada um. Entretanto, indo na contramão de sua argumentação, a livre escolha em relação à vacinação não torna direitos individuais incondicionais e indisponíveis.

Isso deve-se justamente ao que garante a Constituição em seu art. 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Por tratar de questões graves como a de crise sanitária — em que há uma necessidade urgente de proteção da saúde pública –, é possível que os governos em conjunto com as autoridades sanitárias sopesem direitos fundamentais, priorizando a sanidade coletiva, mesmo que para tal seja necessário sacrificar em parte o exercício de direitos individuais.

“A implementação de um sistema que exija comprovação de vacinas nada mais é do que um mecanismo utilizado visando o bem-estar coletivo.”

Coincidentemente (ou não), o Supremo Tribunal Federal votou na discussão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 756, por 10 votos a 1, para manter a autonomia das universidades federais que queiram exigir comprovante de vacinação contra a Covid-19 para frequentar o ambiente acadêmico. O ministro Ricardo Lewandowski, relator da decisão, confirmou a necessidade de priorizar a saúde coletiva “Nunca é demais recordar que a saúde, segundo a Constituição, é um direito de todos e um dever irrenunciável do Estado brasileiro, garantido mediante políticas públicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, cujo principal pilar é o SUS”.

A necessidade de sobrepor a saúde daqueles vacinados contra a Covid-19 (no Paraná esse número representa 83,73% da população do estado) em relação ao direito de ir e vir da minoria não imunizada é tão expressiva que não foi esta a primeira vez que o Supremo Tribunal Federal, na pessoa do Ministro Ricardo Lewandowski, se manifestou sobre o assunto. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6586, a Suprema Corte decidiu no sentido de que a vacinação compulsória, para ser implementada, poderá se utilizar de medidas indiretas, como a restrição do exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares.

Deste modo, ao considerar a prevalência de direitos coletivos sobre direitos individuais que venham de alguma forma a interferir na saúde da sociedade como um todo, e levando-se em conta as decisões mencionadas, a implementação de um sistema que exija comprovação de vacinas nada mais é do que um mecanismo utilizado visando o bem-estar coletivo, e não um empecilho para o deslocamento, como foi apresentado pelos deputados no Projeto de Lei 655/2021.

Em um evidente impasse no que diz respeito à saúde e à vacinação, entre a liberdade individual conferida aos cidadãos (a qual não é absoluta) e o direito coletivo de saúde, dignidade e bem-estar, há indiscutível sobreposição destes, sendo conferidos e protegidos pela Constituição Federal, e, portanto, indispensáveis para o gozo de uma vida digna.

De nada fariam sentido os incansáveis estudos para desenvolvimento de imunizantes e as mais diversas campanhas em prol da vacinação nos últimos dois anos, se a coletividade de forma integral não aderisse aos avanços e continuasse a disseminar as mais graves e perigosas doenças que somente serão controladas por meio de vacinas ou limitadas pela implantação de passaporte sanitário obrigatório.

O passaporte vacinal não pode ser encarado como um afronte à Constituição Federal ou aos direitos individuais, afinal, para toda escolha, existe uma renúncia.

Luiza Schmid Braz é advogada, bacharel em Direito e estudante de Jornalismo da Escola de Belas Artes da PUC Paraná